quarta-feira, 15 de abril de 2009

ROSÁLIA...

Isaac Duarte de Barros Junior *
Na minha juventude, no velho Mato Grosso sem ser dividido, conheci uma mocinha muito bonita na pequena cidade onde nasci. Ela tinha costumes austeros, era uma jovem de cabelos longos lisos, em síntese, a moça lembrava com seu corpo esguio, as donzelas bem nascidas no sul da Itália de onde vieram suas bisavós. Bastante religiosa, não faltava às missas dominicais e a ragazza desaprovava bebedeiras em excesso da rapaziada, serenatas boêmias e o comportamento dos petulantes, como foi o meu tipo em determinadas ocasiões, inclusive na primeira vez que a encontrei.
Com um sorriso trigueiro, lembrando as searas de campos argentinos, seus carnudos lábios vermelhos eram como duas cortinas, que ao se abrirem no palco da sua boca, exibiam dentes alvos perfeitos. Seus tranqüilos olhos verdes da cor da primavera se assemelhavam as folhas da erva mate nativa, que eram escolhidas e separadas refinadamente nos barbácuas pelos experientes velhos ervateiros, no preparo daquela bebida destinada a ser consumida nas futuras rodas de tereré.
O salão paroquial pertencente aos padres franciscanos e o único clube social existente na época, funcionavam ao som de um toca discos Philiphs durante os domingos, rodando canções românticas, ou músicas lentas no linguajar da mocidade, embalando o dancing das tardes domingueiras. Não havia ar condicionado nesses salões de baile improvisado e poucos jovens possuíam um carro para rodar pelas ruas de pó vermelho e quando chovia forte, os moços menos favorecidos pela circunstancia da fortuna, usavam seus guarda chuvas. Mas mesmo assim, não evitavam embarrar os seus pés e sujar as roupas nas poças d’água que se formavam nas ruas escuras e lamacentas.
A abastada conta bancária de qualquer rapaz solteiro, se porventura existisse nas duas agencias recém instaladas e a etiqueta de um bom sobrenome, por mais tradicional que pudesse ser não significava nada se o moço não fosse um homem honesto e trabalhador. Os doutores descompromissados, eram poucos e os funcionários solteiros de carreira no Banco do Brasil, eram considerados um bom partido.
A Rosália, apesar das suas qualidades morais, era também uma moça sonhadora, que ansiava possuir riqueza em forma de dinheiro, fortuna que não tinha na biografia, porque havia nascido em uma família pobre. Exigente, na sua exuberante beleza diferenciada, ela policiava bons costumes até nas roupas finas trajadas pelas outras moças da sua idade. Não freqüentava as domingueiras festivas, ansiando pela chegada do seu príncipe milionário. Um dia, finalmente ele apareceu ao volante de um belo automóvel.
Elegante, bom de conversa, o tal empresário queria comprar uma vasta propriedade na zona rural. O pai de Rosália, conhecido corretor de imóveis, apresentou seu cliente supostamente abastado para a filha, que encantada com o golpe da sorte, começou a namorá-lo. Na realidade, se tratava de um estelionatário dos piores, acostumado a dar golpes nos incautos. Entretanto, enfeitiçada pelo amor desvairado, Rosália entregou-se num momento de amor planejado ao jovem pilantra bom de fala, na expectativa de obrigá-lo a assumir um futuro casamento e assim finalmente ela tornar-se-ia uma senhora rica e poderosa. Aquela brasiguaia geniosa e bonita perdeu numa só noite calculista, a sua virgindade e a sonhada fortuna, pois assim como o namorado canastrão chegou, ele sumiu da cidade.
Sentindo os sintomas da gravidez, envergonhada ela fugiu de casa para procurar seu desaparecido namorado rico, descobrindo-o depois de muito empenhar-se na busca. Ele estava na cadeia, condenado, acusado de estelionato e uma infinidade de outros crimes. Desesperada, a brasiguaia Rosália, não mais retornou ao lar paterno. Teve de parto natural, uma filha nas mãos de parteiras e para sustentá-la se prostituiu. Adotou o nome de guerra Frances Pechôt, tornando-se a prostituta mais solicitada e conhecida dos anos sessenta entre os douradenses freqüentadores de prostíbulos.
Foi por sua beleza, a mais famosa de todas as mulheres de vida fácil nas conversas animadas dos rapazes daquela geração. Sua filha, assim que completou quinze anos, seguiu os passos de Rosália, agora sem moral nenhuma para impedir o curso do destino. O advogado João Beltran, um dos seus confidentes e admiradores, me contou a muitos anos, que ela era uma mulher sofrida e nunca se esqueceu do seu primeiro amor vigarista...

*advogado criminalista, jornalista.
e-mail : isane_isane@hotmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário