domingo, 27 de junho de 2010

COPA DE 70

Isaac Duarte de Barros Junior*
Na copa de 1970, a direção da Radio Clube de Dourados, resolveu retransmitir os jogos de futebol daquela copa do mundo realizada no México. Nessa época, sem ter a concorrência da televisão, o radialista Jorge Antonio Salomão, mandou seu funcionário Ermelindo Azevedo, o “pipoca”, instalar um serviço de alto falante na Praça Antonio João, o que foi feito. Assim, na era do rádio, os torcedores douradenses, puderam acompanhar pela única emissora existente na região, com retransmissões da rádio Tupi, o excelente desempenho da seleção canarinho. A rapaziada aproveitava a ocasião festiva para namorar na praça, onde ouviam as ondas sonoras da Rádio Clube. Vestidos elegantemente, os jovens Paulo Kamimoto, Miro Faker, José Paulo Teixeira, Omenélio Bueno e outros atletas do futebol local, eram muito assediados pelas moças.
No verde gramado bem cuidado, naqueles dias foi permitido concentrar, pisar, sentar e torcer pela seleção brasileira, para alegria dos vendedores ambulantes. O velho guarda do “jardim”, nome como era chamada a antiga praça central, recebeu ordens da municipalidade de a tudo isso permitir, durante a retransmissão dos jogos do Brasil. Todavia, educadamente, ninguém entre aqueles torcedores, jogava lixo fora dos latões recipientes, se embriagava ou consumia drogas. Nem havia seguranças, policiais civis e militares para vigiar a moçada, pois a pequena população era pacata e a violência urbana, se existia, era longe, nos distantes grandes centros. De bicicletas, sem ficarem acorrentadas, os moços se dirigiam para esse ponto de concentração no horário do jogo de futebol. Terminada a partida futebolística, todos retornavam para suas casas, que não eram rompidas por ladrões. E mesmo fazendo o trajeto a pé, nunca houve notícia de acontecer um pedestre sendo assaltado naqueles tempos.
A garotada, proibida de soltar os fogos, se contentava com as chamadas “bombinhas”, cujo tamanho do artefato, dependia da idade, para delas fazerem uso nesses folguedos. Afinal, havia um ponto de charretes nas proximidades e o estampido poderia espantar os animais, pangarés das carroças de aluguel estacionadas no outro quarteirão, na Rua Minas Gerais (atual João Candido Câmara). A casa Yonekura, onde se comprava os “foguetes”, só vendiam fogos recomendando cuidados para que estes não fossem soltos próximos de matagais, iniciando incêndios nos capinzais “barba de bode”, comuns por toda a cidade, onde predominavam casas de madeira na maioria das erguidas. Os rádios portáteis de pilha faziam sucesso e os de bateria com antenas enormes, começava a se expandir na zona rural, nas casas dos colonos. E foi através deles, que os brasileiros moradores no campo, acompanharam os jogos da copa naquele distante ano de 1970, ouvindo os gols feitos por Pelé e seus companheiros.
Quarenta anos depois, a cidade de Dourados mudou radicalmente, não sei dizer se foi para pior, ou melhor. Pois, a Praça Antonio João, nesta atual copa mundial, está fechada. Saindo de casa a noite, corremos o risco de assaltos e no retorno ao lar de se ter os objetos do interior da residência, furtados. Ao invés de usarem fogos de artifício, irresponsáveis disparam armas de grosso calibre pelas ruas. Pessoas, embriagadas, dirigindo veículos, depois das partidas futebolísticas, transitam em alta velocidade, estupidamente gritando pela cidade, atropelando as pessoas. O som que se ouve, é em decibéis próprios para os ouvidos dos imbecis e de surdos. Atletas namorando nas calçadas, nem mais pensar. E moças daquela época, agora são vovós preocupadas com netas que ainda não retornaram, porque foram pós-transmissões da televisão, assistir as barulhentas perigosas passeatas...

*advogado criminalista, jornalista.
e-mail: isane_isane@hotmail.com

sexta-feira, 18 de junho de 2010

NORDESTINOS PIONEIROS

Isaac Duarte de Barros Junior *
Quando os trabalhadores nordestinos pioneiros, incentivados pelo governo federal, principiaram a desembarcar nas matas da colônia de Dourados na metade dos anos quarenta, iniciava-se na era Vargas o ciclo da chegada dos futuros povoadores mais importantes dessa vasta região. Graças aos fortes primeiros nordestinos, retirantes esperançosos das cálidas terras brasileiras, em breve fundar-se-ia novos municípios, incorporando-os mais tarde ao mapa geográfico de Mato Grosso. Todavia, no período de desbravamento do cone sul, esses agricultores chegavam cabisbaixos, trôpegos e com os corpos cansados devido á percalços da viagem. Geralmente, essa jornada migratória era esquematizada no vizinho estado de São Paulo, concluindo a sua ultima pior etapa, na desconfortável carroceria de velhos caminhões fretados ou na “jardineira” do Adão Loureiro (atual Expresso Queiróz). Na época, essa hoje sólida empresa sul-matogrossense, tinha apenas um ônibus revestido de tábuas, com seu dono no volante, outro legendário nordestino.
Entretanto, nesses velhos idos, os trabalhadores apelidados de “cabeças chatas”, quando procedentes do Porto XV usavam os caminhões “pau de arara”, que certamente os conduziria aos solavancos pelos ermos estradões de terra, pois o asfalto nem se cogitava. Desse modo, só sendo passageiros procedentes de Campo Grande, então a rota da chegada pelos trilhos da Noroeste do Brasil, que esses nordestinos se deslocariam usando a “jardineira do Loureiro”, para concluir o difícil trajeto. Aproximando-se dos seus assentamentos na CAND, seguindo caminhos diferentes dos atuais, os nordestinos precursores, normalmente, também usavam pequenas carroças e charretes alugadas.
Essa tração animal ou as charretes de aluguel, como meio trivial urbano de locomoção, durante anos foram conduzidas pelos saudosos irmãos Libório entre outros inesquecíveis charreteiros, guiando-as na boléia. Servindo de primeiros “táxis” douradenses, os “charreteiros” atendiam solicitamente a telefonemas, funcionando como uma oferta antiquada de trabalho honrado. Estacionadas nos “pontos” instalados nas esquinas do centro douradense, essas charretes de aluguel, foram bastante usadas nas ruas lamacentas do século passado em dias de chuva torrencial. Mas, nos tempos de modernos coletivos, acabaram sendo ultrapassadas pelo progresso, desaparecendo de circulação nos anos oitenta. O primeiro e ultimo “ponto” de charretes, funcionou na Avenida Presidente Vargas, na confluência da Avenida Marcelino Pires.

A zona rural douradense, geograficamente destinada a CAND, na divisão original feita no município de Dourados, seria influenciada politicamente pelos nordestinos, quebrando o tradicional rodízio dos sulinos gaúchos e mineiros das alterosas no comando do Paço Municipal. O prefeito Antonio de Carvalho, nos anos quarenta, foi o primeiro desses nordestinos eleitos, embora fizesse oposição ao governo de Getulio Vargas. Seguindo-se a este alcaide, outros prefeitos douradenses figuram como políticos nordestinos de nascimento. Embora os migrantes gaúchos, tenham chegado no final do século dezenove em Dourados, os sulistas tornando-se fazendeiros, decidiram cuidar da economia e do desenvolvimento privado. Quanto aos “redutos” de nordestinos politizados, ao conseguirem ser desmembrados, ficando independentes do município de Dourados, logo surgiriam como municípios prósperos, assumindo seus dirigentes as rédeas da política estadual, através de seus descendentes e migrantes brasileiros adotados pelas suas respectivas cidades.
Sabedores da necessidade cultural para dirigir, os nordestinos lutaram pela implantação de universidades, ou enviaram seus filhos para completar os estudos em grandes centros. O interessante nessas comunidades exemplares, é que eles não se deixaram hipnotizar e nem permitiram que a desgraça tomasse forma de mando, outorgando a chefia de qualquer coisa para despreparados semi-alfabetizados. Essa cartada, usada num sábio jogo de cintura, evitou-lhes ter de passar pela execração hilária a que estão sendo submetidos alguns municípios conhecidos nas suas vizinhanças. Anátema de problemas, que se não fosse uma praga em forma do retrocesso, poderia ser contabilizado como mais um prejuízo temporário causado por eleitores desorientados...

*advogado criminalista, jornalista.
e-mail: isane_isane@hotmail.com

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Está difícil de empolgar

Braz Melo (*)

Há tempos acompanho futebol, mas confesso que há muito tempo não vejo o brasileiro tão desinteressado pela Copa do Mundo como nesta edição. Não sei se é por causa da qualidade dos jogadores convocados ou se entramos em uma nova realidade e que a população está mesmo preocupada é com outras coisas mais importantes.
Desde quando o Dunga deixou de convocar os meninos do Santos Futebol Clube, Neymar e Ganso, parece que toda a população desanimou de torcer. Sabemos que o brasileiro, além de ganhar a Copa do Mundo, ele quer ganhar dando show e mostrando um futebol alegre. Isso vai ser difícil com uma quantidade imensa de volantes (posição de meio de campo que mais defende do que ataca) e sem meias que sabem armar e deixarem os atacantes marcarem os gols.
Eu lembro que ainda garoto assisti a minha primeira Copa, a de 1958. Ainda era apreciado só pelo radio, mas foi uma competição especial. Como só ouvíamos, imaginávamos pela narração dos locutores como tinha sido a jogada. Morava no Rio de Janeiro e mais bonito que a apresentação da seleção na Suécia, só a chegada dos jogadores. Ficamos umas oito horas em pé, aguardando a seleção passar em cima do carro do Corpo de Bombeiros, pois iam ser saudados pelo presidente Juscelino no Catete. Um mar de gente. Quando menos esperávamos, passou. Vimos só de relance, mas valeu a pena.
A de 1962 no Chile foi outro espetáculo. Estudava no ginásio (hoje segundo grau) e juntos com alguns amigos fomos até ao Hotel das Paineiras, perto do Corcovado ver os jogadores se preparando antes de embarcar. E como os funcionários do bondinho estavam em greve, subimos a pé pela linha dos trilhos. Uma maratona para ver Pelé, Garrincha, Didi, Zagalo e outros. Pelé se machucou, mas o Brasil voltou bicampeão.
Lembro como hoje a de 1970. Talvez por ter sido transmitido pela televisão ficava mais fácil de continuar gravada na mente. Até os mexicanos, na partida final, torciam pela nossa equipe. Tínhamos um time fora do comum e jogávamos para frente, como a musica cantada na época: “Pra frente Brasil”. Salve a Seleção. Seleção com letra maiúscula, sim senhor.
Ficamos em jejum muitos anos, mas fomos campeões em 1994 nos Estados Unidos e por fim em 2002 na Alemanha. Times guerreiros, mas principalmente com um futebol alegre, deixando inclusive os que perderam maravilhados com nosso futebol. Nem eles reclamaram, já que reconheciam nossa superioridade. Hoje se fizessem uma musica para esta Copa seria “Segura Brasil”.
Todo mundo sabia a escalação da seleção de cor e salteado. Hoje quem sabe a escalação do nosso time? Só os que trabalham com futebol.
Nestes últimos dias temos assistido os comentaristas de diversos canais de televisão, já na África do Sul, contando tudo que acontece lá. As grandes redes têm se preparados para dar uma apresentação melhor aos seus telespectadores. Investiram um dinheirão para oferecer o melhor para nós que ficamos aqui. Hoje mesmo vi os efeitos das câmeras especiais, onde mostram os lances de diversas maneiras. E em câmera lenta. Coitados dos árbitros. Vai ser uma oportunidade para os técnicos de futebol, e somos 190 milhões deles, para botarmos a boca no trombone.
E esta Copa é uma preparação para a próxima, que será aqui no Brasil. Temos muito que aprender, mas primeiro temos de saber escolher nossos jogadores. Por falar em escolher, está difícil achar um suplente para o Murilo em Campo Grande, como também um vice para o Zeca aqui em Dourados. A política deste ano está igual a nossa seleção. Difícil de empolgar.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

LENHEIROS E CARPINTEIROS

Isaac Duarte de Barros Junior*
Extraindo árvores nativas selecionadas, os antigos madeireiros apelidados popularmente de mateiros, foram uma das especialidades em carpina. Encarregados do fornecimento da matéria prima destinada as primeiras casas construídas nos povoamentos, eles entravam nas matas densas e lá escolhiam a árvore que deveriam serrar. Talhadas manualmente, esse ritual pioneiro exigia um enorme conhecimento profissional sobre qual o tipo de corte que deveria ser utilizado na madeira. Desse modo antiquado, aqueles carpinteiros arcaicamente se valiam de métodos artesanais, fosse fabricando tábuas ou sepilhando os demais madeiramentos. Dependendo da região, o conhecimento a respeito da diversidade das árvores escolhidas, era uma qualidade muito importante para contratar-se um mateiro. As tabuas tinham que ser serradas, rigorosamente dentro das medidas, demonstrando outro dos grandes atributos desses profissionais. Quanto aos “rudimentares” machados, invés da “moderna” lamina manual de serrar troncos, se utilizados nessas ocasiões, só eram usados durante a derrubada da árvore.
Entretanto, havia um grande diferencial comparativo, entre aquilo que significaram os trabalhadores mateiros carpinteiros e lenheiros comuns. Afinal, os primeiros, se religiosamente professavam o catolicismo, eram devotos de São José. Enquanto que os lenhadores, chamados de derrubadores de árvores, foram fiéis ao cristão Santo Antão, um pregador egípcio do século lll. Carpinteiros, nessa época, considerados marceneiros das construções de madeira, satirizavam a falta de conhecimentos dos lenheiros. Assim acontecendo, os alcunharam de “antas”, numa clara alusão as suas ignorâncias em aritmética. Naqueles idos, a lenha sendo barata, não passava de material para consumo, queimada nos fogões das residências, trens, barcos e olarias.
Todavia, novas cidades brasileiras, enchiam de dinheiro os bolsos dos carpinteiros, com casas de madeira erguidas diariamente. Pinheirais da região sul, devido ao seu uso em tudo que se levantava, tiveram araucárias quase dizimadas. Enquanto que no centro-oeste, muita madeira de lei desapareceu da vegetação. O desmatamento, desse período, iniciaria o efeito estufa, sem que nenhuma precaução fosse tomada pela população brasileira crescendo descontrolada. Governantes, já que a grande preocupação era ocupar as terras desabitadas no interior e nas fronteiras, pouca ou quase nenhuma cautela tiveram com a biodiversidade, programando as migrações e facilitando as imigrações pela via marítima, gente que depois devastou mananciais e florestas virgens inteiras.
Mas, se os madeireiros carpinteiros eram profissionais privilegiados desempenhando essas suas funções construtoras, o mesmo não aconteceu com os lenheiros ou lenhadores. Os quais, profissionalmente, eram tratados como simples vendedores comuns de um produto abundante. Ademais, cortar as madeiras e vende-las em forma de lenha, comercialmente só existiu nas cidades, isso até a chegada dos fogões a gás. Adolfo Knopka, descendente de poloneses foi um dos últimos lenheiros tradicionais que conheci. Diziam que no começo das suas atividades, ele tinha um carroção de quatro rodas e dois cavalos zainos fogosos, puxando-o para fazer suas vendas de lenha nas residências.
Já Barnabé Minhos, um dos primeiros migrantes gaúchos nesta região, nela exerceu a profissão de carpinteiro, trabalhando durante anos em Dourados no começo do século vinte. Barnabé, espelhando-se nos seus colegas de profissão contemporâneos, era um artesão das madeiras, fazendo engenhosas máquinas de moer cana-de-açúcar, construções de madeira, coxos para alimentar o gado e mujolos d’água ”socadores” de mantimentos em grãos. Suas qualidades eram tão reconhecidas nessa época, dada a qualidade dos seus serviços, e em muitas propriedades rurais centenárias, que suas obras de carpintaria ainda permanecem bem conservadas.
Por outro lado, Pedro “paraguaio”, de compleição física avantajada, era homem demorado nos seus serviços devido aos intervalos para tomar tereré e tirar a “siesta” do almoço. Tinha como os demais carpinteiros naqueles primeiros tempos, sua freguesia e muito trabalho. Porém, esses homens, salvaguardadas as diferenças no tratamento comercial dado, foram pessoas interessantes como habitantes do século passado.

*advogado criminalista, jornalista.
e-mail: isane_isane@hotmail.com