terça-feira, 7 de abril de 2009

PESSOAS MARCANTES

Isaac Duarte de Barros Junior *

Quando o bar Pingüim e o bar Luchesi, disputavam comercialmente no escurecer agreste da nossa cidade, à preferência de uma seleta e minúscula freguesia boemia, cultuadora da vida noturna douradense, certamente as lembranças dos que viveram aquelas noites, devem se recordar sem fazer muito esforço da estereotipada figura obesa do José Milan.
Ele não tinha ocupação conhecida, não era “seresteiro”, mas foi uma espécie de talismã dos grupos musicais da época que eram freqüentadores desses bares, pois aplaudia todos os músicos e com alguns grupos até cantarolava sucessos conhecidos. Porém, na hora do ajantarado, nada o impedia ou atrapalhava a sua costumeira “boquinha” noturna, quando comia avidamente dois pães inteiros recheados de salame e outras vezes carregados de presunto com queijo.
Esse rapaz solteirão era filho do pioneiro de nacionalidade libanesa, o Elias Milan, que locava aquele prédio e outros existentes na Avenida Marcelino Pires. José Milan foi um douradense pacato, mas se ficava nervoso, ninguém ousava encrencar com o moço, senão já se tornava desafeto da fazendeira Geni Milan, esposa do Milton Milan, ou seja, a sua temida cunhada. Um dia, o “Zé gordo”, esse era seu apelido, desapareceu repentinamente de circulação, resolvendo ir morar na capital. Zé Milan escolheu para viver placidamente, um bairro simples de Campo Grande.
Outro personagem da noite douradense de outros tempos foi o jovem encrenqueiro Almir Galvão. Ele era um rapaz educado, mas tinha o terrível vício da embriaguez e quando bebia ficava valente. Todavia, o “grilo” gostava de filosofar nos balcões dos poucos botequins existentes do centro, fazendo questão de dizer a frase: “é melhor tomar cachaça, do que soltar fumaça”, pois odiava drogas. Tudo que ele me revelou da sua reservada intimidade, foi o fato que somente se embriagava repetidamente, para esquecer-se de um grande amor.
Porém, aquele boêmio fugaz, por mais que eu insistisse nunca revelou o nome da mulher amada. Em nosso último encontro, ele estava feliz, porque dizia que em breve segundo ele, finalmente iria se encantar dormindo para sempre. Nessa fase, eu estava pesquisando tipos humanos que apelidei nas linhas do meu diário, de loucos mansos. Às vezes, nos meus devaneios, acho que realmente o Almir Galvão se encantou.
Raphael Bianchi era outro paradigma ingênuo da noite local quase no final do século. Foi uma pessoa em vida, cheia de contradições. O emotivo “faé”, chorava com facilidade e gostava de praticar o bom futebol, tanto gostava que fundou o clube Ubiratan.
Entretanto, morreu de cirrose crônica. Adotando no seu cotidiano, tudo aquilo que um desportista deve evitar. Mas, estando sóbrio, era um cavalheiro culto e educado. Chegou em Dourados nos anos quarenta, para trabalhar nos escritórios da CAND (Colônia Nacional Agrícola de Dourados), como um alto funcionário do governo federal. Raphael Bianchi era admirado na competência pela chefa do escritório da colônia federal, a saudosa Risoleta Lúcia Leal Pereira, mulher muito considerada e respeitada pelos primeiros desbravadores. Ela não poupava elogios às virtudes do colega, mineiro de nascimento, que adotou por ser desportista, embriagar-se e morrer douradense.
Já na Praça Antonio João, onde funcionou um transformador central de energia elétrica da cidade, havia muitas árvores, uma fonte luminosa e diversos bancos de concreto patrocinados por casas do comércio local. Ali também viveu ao relento, descabelada, embriagada e sem tomar banho, a Maria Fortunato, ou simplesmente “Maria Louca”. Um sacerdote franciscano da igreja católica, incomodado com a situação da mulher, um tal de frei João Damasceno, que se rotulava pedreiro e gostava de bebericar uma “branquinha”, todos os paroquianos católicos sabiam desse gosto do padre, resolveu interferir. Esse clérigo chamou à doida e disse que ele nunca mais beberia nenhum gole, se ela também parasse definitivamente de beber. A louca aceitou a proposta e o mundo se livrou de dois alcoólatras. Se houve algum “milagre” nesse acontecimento, eu não sei se a autoria deve ser creditada para Maria ou para frei João.
Lembro-me às vezes desses tipos e os selecionei por haverem sido figuras marcantes da minha juventude, dentre as muitas personalidades interessantes que conheci na pequena Dourados de outrora. Todos eles foram figuras de comportamento diferenciado, em relação aos demais habitantes do povoado. Porém, foram pessoas díspares, com muitos deles dando a nossa comunidade ainda pequena a sua contribuição particular de trabalho, e esta articulação foi feita justamente para matar a saudade desses personagens de velhos tempos...

* advogado criminalista, jornalista
e-mail: isane_isane@hotmail.com

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