segunda-feira, 1 de junho de 2009

HISTÓRIA, NINGUÉM MUDA...

Isaac Duarte de Barros Junior *

Voltando a remexer no baú das memórias, onde deixei guardados alguns escritos velhos amarelados pelo tempo, procurei nesse gesto pesquisador, reconstituir e juntar pedaços da verdadeira história local. Recuperando acontecimentos mofos do passado douradense, espanei e retirei toda a naftalina das possíveis dúvidas, vasculhando fatos do conhecimento coletivo daquela época distante. Alguns deles, eu mesmo conservei inseridos em folhas rasgadas, arrancadas de um caderno destinado a rascunhos. Outros, eu joguei num canto da arca, conseqüentemente no ostracismo natural. Para estabelecer compromissos unicamente com a verdade, recorri a relatórios e sínteses anotadas das conversas mantidas com pioneiros. Tratei de fazer tudo isso, antes que alguns aventureiros adotados como douradenses, conseguissem enterrar na vala das inverdades, os verdadeiros acontecimentos envolvendo nomes de pessoas e feitos antigos. Busquei rememorar nesse esforço esclarecedor a fase do nosso crescimento, quando não passávamos de simples vilarejo mato-grossense, muito menor do que a cidade de Ponta Porã, ex-capital do extinto Território Federal. Município, do qual havíamos nos desmembrado em 1935. Nesse tempo que resgatei, pioneiros cujos nomes foram imortalizados em ruas, praças, estádios, escolas e outros logradouros, alguns ainda estavam vivos entre nós.
Naquele período, já tão distante, tínhamos o orgulho municipal de possuir o jornal semanal do Weimar Torres, a emissora de rádio do Jorge Salomão e o médico Joaquim Lourenço Filho traçava planos para implantar a Companhia Telefônica de Dourados, projeto mais tarde realizado. Lembro, que sempre no dia festivo da independência brasileira, como era costume tradicional, acontecia um desfile cheio de civismo, na empoeirada Avenida Marcelino Pires. Nessa ocasião, os alunos de escolas primárias e do único ginásio, o Oswaldo Cruz, do professor Lins, eram as atrações principais esperadas e apreciadas por populares quando as crianças desfilavam em compasso marcial na frente do palanque oficial, lotado de autoridades. Muitas dessas pessoas, agora falecidas, jamais foram esquecidas pelos seus familiares. Em vida, muitos eram colonos lavradores, dominicalmente trajados, que compareciam para assistir aquelas efemérides. Acotovelando-se, apinhados na artéria central da cidade, todos tinham a finalidade comum de prestigiar a passagem dos estudantes, que marchavam garbosamente no ritmo rufante dos tambores das fanfarras. Na maioria, esses alunos eram filhos de famílias nordestinas migrantes, as quais viviam fazia alguns anos, do cultivo de terras na Colônia Federal de Dourados. Naqueles dias distantes atribulados, os cabecinhas enfrentaram as mais frias geadas da década.
Por haver sido um ano eleitoral, em cinqüenta e nove objetivávamos eleger democraticamente o novo presidente da republica e todos os comícios eram roteirizados pelos dirigentes políticos residentes em Cuiabá. A população na idade de votar, era convidada antecipadamente para as reuniões comícios, por alto-falantes instalados nos veículos ambulantes. A esse método, seguia-se um organograma, que consistia em eleitores esperarem os candidatos visitantes, num rústico aeroporto com pista de terra, lugar onde hoje se encontra a praça do cinqüentenário. Dali, o candidato desfilava pelas ruas sem asfalto, acompanhado de outros políticos gesticulando com as mãos abertas. Esse visitante tinha como roteiro estabelecido, desembarcar da aeronave, seguir no melhor carro colocado ao seu dispor na cidade, subir num palanque preparado na Praça Antonio João e discursar. Geralmente, o proprietário do veículo que transportava esse candidato visitante, era de um chefe político local. Os eleitores, gente do povo, seguiam-no alojados nas carrocerias de caminhões enfileirados no cortejo.Rumando atrás do veículo que conduzia o político centro das atenções, pipocava-se o céu com fogos. Nessas rápidas passagens de grandes personalidades visitantes, recebidas no século passado hospitaleiramente, ficaram guardadas destacadamente nas minhas lembranças de menino, as visitas dos líderes como Juscelino Kubitchek, João Goulart, Ademar de Barros, entre outras proeminências históricas.
Incluindo nessas rememorações salutares do tempo que se foi, houveram alguns fatos pitorescos e folclóricos. Lembro que um deles aconteceu, quando o general Tavares comandava a nona região militar. Nessa época, respondia pelo comando da quarta divisão de cavalaria,sediada em Campo Grande, o general Plínio Pitaluga, que entendeu por fazer uma manobra com o codinome “quarenta mil léguas de presença”. No término dessa operação, como em Dourados ainda não haviam unidades ou um quartel do exército e estando os fazendeiros locais acostumados com o período de tranqüilidade proporcionado pela presença das manobras militares, quixotescamente, alguns deles bloquearam a estrada por onde passaria o comboio militar em seu retorno para Campo Grande.
Mesmo podendo usar da força para desobstruir o trajeto, o experiente comandante Pitaluga, dialogou pacientemente. O general, explicou aos ruralistas, que aquela era uma posição equivocada e predisse que Dourados já tinha um enorme potencial, podendo dentro de breves anos, vir ser no futuro, sede regional do comando da brigada. A previsão daquele hábil chefe militar, herói de guerra, culminou acontecendo. Todas essas lembranças, estão bem vivas na memória dos moradores mais antigos ou daqueles que aqui nasceram como eu. Os quais, não carregam consigo a pretensão de serem tipificados como pioneiros, em respeito aos próprios.
Acertadamente, esses fatos foram presenciados e vividos por muitos outros nativos anônimos, que podem testemunhar estas histórias, cujos trechos foram extraídos direto da boca dos verdadeiros fundadores de Dourados, tempo quando ainda estavam vivos os últimos migrantes do século dezenove. Penso, que o que não se pode, é recém chegados continuarem inventando fatos irreais, misturando história com estórias, colidindo-as com narrativas legadas pelos desbravadores. Estes, representados em nossos dias, pelas famílias centenárias aqui residentes. É em nome delas, que repelimos os erros contumazes de se querer modificar grosseiramente a nossa história local. Notadamente, quando falam da suposta existência de um quilombo na região na Picadinha...


* advogado criminalista, jornalista.
e-mail:isane_isane@hotmail.com

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