sexta-feira, 29 de maio de 2009

HISTÓRIA DA FACULDADE DE MEDICINA DE DOURADOS.

Takeshi Matsubara (*)

Em meados de 1999 eu era secretário da Associação Médica da Grande Dourados, quando começou o movimento para a criação da Faculdade de Medicina em Dourados. Havia na época, 2 faculdades particulares, uma de Marilia-SP e outra de Presidente Prudente -SP, que estavam interessados em se estabelecer em nossa cidade com esse curso. A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, através do seu reitor da época, Jorge João Chacha, e do Professor Wilson Biazotto, diretor do CEUD, viabilizaram 50 vagas do curso médico a ser transferido para o Campus de Dourados. Criou-se então um movimento, liderado pela Associação Médica para viabilizar o curso em nossa cidade, pela universidade pública. Seis médicos, diretores da Associação, Dr. Leidniz Guimarães, Dra. Denise Nemirovsky, Dr. Alexandre Cassaro, Takeshi Matsubara, Dr. Eduardo Marcondes e Dr. Raul Espinosa Cacho, juntamente com a Professora Dirce Ney, do Departamento de Educação da UFMS, elaboraram todo o projeto pedagógico, a grade curricular, as disciplinas, enfim, toda a estrutura do curso.
Houve um movimento da Classe médica de Campo Grande, através do Conselho Regional de Medicina, Associação Médica de Mato Grosso do Sul e Sindicato dos Médicos do Estado, que puseram notas na imprensa, pois eram contrários à abertura do curso de Dourados e da Medicina da Uniderp em Campo Grande. A sociedade organizada de Dourados, reagiu e saiu às ruas, e o reitor da UFMS, numa entrevista à Grande FM, confirmou a implantação do curso.
A Associação Médica de Dourados, que abraçara a causa desde o começo, teve vários colegas que se ofereceram como professores voluntários. Já eleito presidente da Associação eu pude liderar esse movimento. O curso dispunha de uma verba mensal de R$ 12 mil. Vejam bem, uma Faculdade de Medicina que dispunha de uma verba irrisória, quando faculdades particulares cobram mensalidades de 3 mil reais por aluno. Enquanto uma Faculdade de Medicina como a de Presidente Prudente arrecada em torno de R$ 1.800.000,00 por mês com sua mensalidade, a faculdade de Dourados dispunha de DOZE MIL REAIS POR MÊS!!! Ou seja, não havia dinheiro para nada, e os professores bancavam do próprio bolso, todo o material para dar aulas, impressos, lâminas para aulas no microscópio, material didático, etc. Davam aula de GRAÇA e ainda bancavam o material. Isto pouca gente sabe nos dias de hoje. Ao longo dos 6 anos da Faculdade, 60 médicos trabalharam totalmente de graça, juntamente com outros professores cedidos pela UEMS, curso de Biologia da UFMS, Agronomia, etc. As aulas eram dadas usando salas de aula emprestado de diversos cursos, como Agronomia, Biologia, Enfermagem da UEMS, Fisioterapia da Unigran, etc.
Nesse ínterim, muda a direção na UFMS, sendo eleito reitor o Professor Manoel Catarino Peró, e como ele era de um grupo rival ao do Professor Chacha, fez de tudo para inviabilizar o curso de Medicina de Dourados. Eu e a dra. Denise Nemirovsky estávamos quase todas as semanas em Campo Grande, brigando por material didático, por recursos, por melhores condições de ensino.
No terceiro ano do curso, a crise se agudizou, com a total falta de apoio da Universidade e do seu diretor local, que continuaram o boicote ao curso. Chegou-se a um ponto, que o curso estava na iminência de fechar e levar suas 50 vagas anuais para Campo Grande, o que todo mundo de lá queria. Os alunos saíram em passeata pelas ruas da cidade, pedindo apoio da comunidade. Faixas foram afixadas pelos comerciantes, apoiando o curso de Medicina de Dourados. Mas a UFMS continuava seu jogo pesado de tentar fechar o curso e os alunos começaram a pensar em se transferir para diversos cursos em escolas públicas pelo Brasil.
No quarto ano do curso, mais crises, com falta de professores, de salas de aula, de hospitais para os alunos aprenderem a parte prática, e muitos professores se desdobraram, dando aulas (sempre de graça) para diversas turmas em diferentes disciplinas.
Em 2004, no quinto ano da primeira turma, o curso chegou ao seu ponto crítico, quando uma equipe do Globo Repórter veio até Dourados, para gravar uma matéria sobre nosso curso, em contraste com a abundância de professores e condições didáticas dos alunos do curso de Medicina da Escola Paulista de Medicina de São Paulo. Aquilo mexeu mais ainda com o brio dos alunos, dos professores e dos pais pois uniu todo mundo no objetivo de levar adiante, custe o que custasse, a Faculdade. Os alunos foram fazer o internato, ou seja a parte prática do curso, em diversos hospitais e voltaram para se formar e concluir o curso.
Pronto. Estava definitivamente estabelecido o curso médico de Dourados. Formada com imenso sacrifício, com muito choro e ranger de dentes, os alunos se fortaleceram de uma tal maneira, que da turma de 50 alunos, quase 40 deles foram aprovados nas provas de residência médica nos melhores serviços país afora. Um índice de 80% de aprovação em residência médica, quando a média nacional é de 15-20%. Os alunos deram a resposta ao esforço dos seus professores e deles próprios. A Faculdade de Medicina de Dourados hoje é a melhor do Estado, nas provas do ENADE. Supera os alunos de Campo Grande, em pontuação.
A primeira turma me prestou uma homenagem que muito me emocionou, ao me eleger patrono da turma. Foi uma época em que eu estava numa dureza financeira de dar dó, e não pude sequer oferecer uma festa para eles.
Mas, baixada a poeira, ao se avaliar o passado, fica a certeza de que valeu a pena. Aliás, valeu muito a pena. Este curso foi fundamental para viabilizar a criação da Universidade Federal da Grande Dourados. Sem ela, nós viveríamos eternamente sob a ameaça do pessoal de Campo Grande, que sempre boicota tudo que é relacionado ao crescimento de Dourados. Hoje, a Universidade dispõe de milhões de reais, e finalmente foi criado o bloco da Saúde, com salas de aulas, laboratórios de anatomia, bioquímica, histologia, patologia, etc. O Hospital Universitário finalmente passou para o comando da UFGD. O Hospital da Mulher e o Hospital do Trauma estão na iminência de serem transferidos também para a Universidade Federal e assim, finalmente, podemos ter a residência médica em Dourados. Com este curso, dezenas de professores, com mestrado e doutorado, transferiram-se para Dourados, para substituir-nos (os “pica-fumos”) e viabilizar uma verdadeira escola médica de Dourados. Com isso tudo, casos que eram transferidos para Campo Grande e outros grandes centros, passarão a ser tratados aqui mesmo, facilitando a vida para os usuários. A cidade de Dourados ganha mais ainda, pois os pacientes de toda a região são tratados aqui, mesmo nos casos mais graves e isto cria condições para se fazer pesquisa científica e gerar mais conhecimento.
Esta faculdade é a prova viva de que quando existe vontade, vontade férrea, podem meter pancada, jogar sujo, chantagear, fazer o que se quiser, mas a verdade e a justiça prevalecerá. Os médicos de Dourados deram a prova de que uma categoria, quando visa um bem maior, consegue obter a vitória, desde que o objetivo seja justo e nobre. Parabéns, médicos de Dourados! Parabéns pais, pois juntos choramos muito pela continuidade deste curso. E, principalmente, parabéns, alunos. Vocês são a nossa taça da vitória, o nosso troféu! São a prova viva de que tudo isso valeu a pena!

médico, ex-professor de Pediatria da UFGD
Extraído do blog: takeshimatsubara.blog.terra.com.br

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