terça-feira, 9 de dezembro de 2008

MITÃI...

MITÃI...
Isaac Duarte de Barros Junior *

Provavelmente com oito anos de idade incompletos, o mitãi (menino) já changueava (furtava) e carregava pequenos raídos (galhos de erva) na roça clandestina do pai. Ele cresceu nesse sistema bruto dos ervais e com o transcorrer dos anos, rapidamente aprendeu cortar, transportar, secar e fazer a pilonagem (socar) da erva mate nativa abundante. Assistiu muito moço, na adolescência, o nascimento da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), em 1944, e com ela a derrocada e declínio da Companhia Mate Laranjeira. É que nessa época, grandes áreas passaram por titulo de aforamento perpétuo para as mãos de particulares, todas elas atingindo ricas áreas ervateiras. Ele, com o apelido infantil de mitãi, era um homem adulto quando assistiu os municípios ervateiros se desmembrarem do município de Ponta Porã.
Assim, dentre outros, foi à gestação do viçoso município de Dourados, ainda envolvido num imenso território verde, cordão umbilical que se complementava com as regiões do Iguatemi a Vila Brasil, Naviraí a Caarapó. Somando-se nesse total, as terras das glebas da Vila Glória, Ivinhema e Angélica. Nesse tempo, a erva-mate das cooperativas da região de Amambai e Iguatemi, vivendo os seus últimos momentos, exportavam o produto para a Argentina via Porto Esperança, sob a fiscalização rigorosa do Instituto Nacional do Mate. Entretanto, já possuindo ervais com capacidade suficiente para suprir o seu consumo interno, os argentinos resolveram parar com as importações da erva-mate brasileira do Mato Grosso.
Os paraguaios que iniciaram as atividades na Empresa Mate-Laranjeira, produzindo-a através dos tempos e em seguida os seus descendentes que deram continuidade, com o desaparecimento dos ervais dos matos (erval nativo) e do erval limpo (plantado), presenciaram o colapso geral dessa cultura. Em 1966, a Argentina, nosso único mercado importador, paralisou também as compras que fazia nos estados do Paraná e de Santa Catarina. Mitãi, contando 37 anos de idade, não vendo restabelecer a produção ervateira, resolveu trabalhar como sicário (pistoleiro). O melhor ”emprego” que arranjou na sua idade, segundo ele, e o mais compatível para exercer profissionalmente, uma vez que ele acertava até a cabeça de uma coruja no toco.
Afinal, a sua plantação de café, com a esperança de enriquecer depressa, fora exterminada na grande geada de 1946, quando ele sonhava se casar nos seus apenas dezessete anos. Mitãi, agora a mando do novo patron, emboscou e matou um desafeto que andava supostamente saindo com a mulher desse chefe fazendeiro. Aquele, lavou a otária honra, assassinando apenas um urubu e mesmo assim, não se livrou da carniça. Descoberto o crime, o brasiguaio e o mandante, ficaram anos na cadeia.
Aconselhado por amigos comuns, mitãi, logo que deixou a prisão, organizou uma monteada (expedição) tentando descobrir novos ervais e tudo o que encontrou pela frente, foram campos entupidos de soja plantada e nenhuma mata nativa. A lida antiga nos ervais, quando se falava alguma coisa a respeito da saga, era contada romanticamente no proseio de caraís (pessoas amigas) saudosistas. Benito Cáceres o mitãi, solitário e doente, sentiu o peso do tempo e dos seus setenta e quatro anos. Nem mesmo ele sabia, costumava dizer, como havia chegado inteiro ao ano de dois mil e três. No dia dez de dezembro, me falou do seu passado nos ervais, comemos um lôcro caliente e sem se despedir de ninguém, o velho morreu de madrugada...

*advogado criminalista, jornalista. e-mail : isane_isane@hotmail.com

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