terça-feira, 16 de dezembro de 2008

CHANGA-Y

CHANGA-Y
Isaac Duarte de Barros Junior *


Nas adversidades da vida, quando a opção de trabalho era bastante embrutecida e rude no rigor dos ervais, existiu o famoso ladrão de erva, que foi a maior das muitas dores de cabeça da Companhia Mate Laranjeira. Com o aumento dos consumidores de chimarrão ou da ka’a akaiguê (erva queimada) com água quente na linguagem dos índios guaranis, os habilitados da Laranjeira Mendes & Cia, sentenciavam antecipadamente de morte, todos os vendedores clandestinos que afrontaram a poderosa empresa, com seus furtos de folhas dos ervais nativos mato-grossenses

Eles eram considerados nesse tempo, como ka’a caraís (senhores dos ervais) pelos “receptadores”, embora estes compradores vivessem maus momentos quando flagrados com a mercadoria clandestina. Na época, quem não comprasse a erva-mate diretamente dos habilitados da Ervateira do Thomaz Laranjeira, era apontado como comprador d’algum barbacuá clandestino ou de changa-y (ervateiro ladrão). Esses espertinhos, do final dos séculos dezenove e começo do vinte, levaram muita sova de guácha no lombo. Ou morreram de congestão de chumbo nas mãos dos capangas do Thomaz Laranjeira, aventureiro que arrendou uma vasta área no território sul de Mato Grosso, para explorar a erva-mate.

No período noturno, no embrenhado das matas fechadas, era a hora do changa-y trabalhar sapecando as folhas da erva-mate que colhia e carregava em suas costas. Geralmente, ela ficava amarrada em enormes pesados raídos (fardos) durante o dia. Com trabalho frenético que ia até o dia amanhecer, o peão fabricava a erva-caseira, pois depois dessa hora, um olheiro da empresa poderia delatar a localização do barbacuá. Bastava para isto, o empleado avistar alguma fumaça saindo em filete do meio das florestas densas existentes.

O interessante dessa época, é que as árvores da erva-mate eram nativas. Embora as terras fossem arrendadas do governo do Mato Grosso, não existia nenhum respaldo legal, para a empresa de industrialização da erva mate do empresário catarinense Thomaz Laranjeira, fazer justiça com as próprias mãos por intermédio de capangas armados. Infelizmente, esse homem de comportamento selvagem, que uns diziam ser argentino de nascimento, enriqueceu no transcurso do tempo e passou para a história como uma espécie de “rei”, escolhendo e indicando na velha república, quem deveria ocupar os cargos destinados a políticos, principalmente nos seus domínios que eram os ervais.

Com o aumento do numero populacional dos alcunhados changa-ys, foi preciso negociar politicamente com esses trabalhadores clandestinos. Mesmo sendo considerados um bando de ladrões, pela empresa do mate. Embora fossem todos eles, ou em na grande maioria, pessoas de nacionalidade paraguaia, o truculento Thomaz Laranjeira os transformava em “eleitores” brasileiros, mesmo não sabendo a peonada castelhana, falar nenhuma palavra em português. No “acordo” firmado entre ambas as partes, bastava nas eleições, o changa-y votar em candidatos indicados pela empresa. Caso contrário, se não cumprissem o trato, matavam todos os “traidores” e ainda queimavam os seus pequenos ranchos cobertos de sapé.Tratava-se de um capim seco que muito contribuía para o inicio do incêndio, sem esforço da jagunçada, ou gente contratada para a realização da empreitada sinistra.

Essas violências comuns, só chegaram ao final quando o capitão Heitor Mendes Gonçalves, assumiu a presidência da Cia. Mate Laranjeira. Era um homem de pouca estatura física, mas portador de um impecável caráter. Sendo respeitador disciplinado da ordem, deu uma nova característica direcional à empresa. Em sua gestão, muitos dos ex- contratados funcionários, tornaram-se pessoas influentes no desenvolvimento dos municípios da fronteira e do interior do futuro estado de Mato Grosso do Sul. Um deles, foi o médico Camilo Ermelindo da Silva,que se tornou deputado estadual e criou ainda no estado uno o município de Itaporã. Outro para se destacar, foi o advogado Aral Moreira, que também foi um hábil político.

O capitão Heitor, homem de grande visão empresarial, incentivou a agro-pecuária e foi o responsável por um memorável churrasco na fazenda Pacurí, de sua propriedade. Juntamente com alguns membros da família Dorneles, parentes de Getulio Vargas, conseguiu trazer o presidente da república à nossa região. Foi muito importante essa visita presidencial, pois em sua volta para o Rio de Janeiro, após sobrevoar uma grande faixa de terras, o chefe de Estado, criou sob aplausos de alguns próceres políticos matogrossenses a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND). O presidente da republica, iniciava também com esse ato, o declínio do “império” da Cia. Mate Laranjeira.

Esses empreendimentos do nosso passado recente e as pessoas que dele fizeram parte, quaisquer que fossem as suas nacionalidades, tornaram-se efetivamente os responsáveis pelo nosso desenvolvimento regional. Ainda que pareça uma pregação de apologia ao crime elogiar os “ervateiros ladrões”, acredito que o tempo e a história das estradas onde ninguém mais transita, já absolveram o “crime” praticado pelos changa-ys. Marginalizados no seu tempo, abriram caminhos no braço e no fio do machete, para existir o progresso de todos nós...

* advogado criminalista, jornalista.
e-mail : isane_isane@hotmail.com

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