quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

ENTRADAS E ESTRADAS

Isaac Duarte de Barros Junior*
Quase todas as mais antigas estradas abertas no sul de Mato Grosso na fase do seu desenvolvimento, foram sulcadas e fendidas por desbravadores sem o menor conhecimento dos cálculos direcionais da engenharia. Estes batedores, na época do desbravamento foram de grande valia para as expedições que tomavam o rumo do sertão. A maioria deles, homens rudes, foi chamada pelos poucos habitantes de “peões guias”. Quase todos, sem exceção, seus patrões interessados os contratavam como guias nas proximidades das regiões onde moravam e o faziam usando como critério de escolha, o fato de possuírem enormes conhecimentos a respeito das suas respectivas paragens. Sabiam excepcionalmente e com muito profissionalismo, como usar uma foice nos guajus, ou um machete em pequenos galhos dos espinhosos capinzais. Olegário Pallin, argentino de corrientes, estava entre esses pioneiros abridores de antigas estradas no Mato Grosso. Por essa qualidade, foi um daqueles exploradores contratados pela tropa do capitão Luiz Carlos Prestes, em abril de 1925, quando esses revolucionários ocuparam com a coluna o Porto Felicidade e Campanário, precisando em seguida abrir outros estratégicos caminhos para a tropa revoltosa avançar.
Em 1935, os índios cayuás, guaycurus, mbaiás, ahins, humegais, guatós, nuaras, guapís e diversos teis errantes, os seculares verdadeiros donos e conhecedores desta terra, também colaboraram na abertura de mais estradas. Varando perigosas matas fechadas em busca do caá, os silvícolas que já desenvolviam o uso das folhas, ajudaram as caravanas a abastecer os barbácuas da Companhia Mate Laranjeira, porque sabiam como e onde localizar os frondosos ervais. Um pouco antes deles, na expedição do Marechal Rondon, sob o comando do então Major telegrafista Candido Mariano, outras estradas foram abertas, enquanto pontes de madeiras eram construídas, facilitando o acesso das migrações que começavam a percorrer todo o estado para habitar. Embora essas estradas fossem poucas, se algum viajante pioneiro se equivocasse com a direção por ele tomada, melhor mesmo seria seguir em frente abrindo outro caminho nas picadas, do que arriscar um retorno
Aos poucos, a maioria dessas estradas foi se alargando, utilizadas pelo permanente transporte das imensas boiadas, comitivas que deixavam a distante região do Triangulo Mineiro. Elas se transformariam com o passar do tempo, nas useiras estradas boiadeiras batidas, rotas que se tornaram fundas pelo socar dos milhares de cascos das reses na terra vermelha. Uma Vila predestinada a ser conhecida como nossa futura cidade de Dourados, estabelecendo uma verdade a ser considerada, nasceu na bifurcação de alguma dessas estradas sem nenhum planejamento direcional, com a construção imprevista dos casebres cobertos de sapé erguidos por colonos anônimos. Desconhecedores, entretanto, de que no futuro, seriam os verdadeiros responsáveis pelo seu real nascimento. Tais pessoas, jamais vieram saber o enorme valor daquilo que representaria essa atitude construtiva e despretensiosa na forma desses ranchos erguidos a beira dos caminhos nos descampados.
O interessante, extraído da lição dos tempos pioneiros, é de que não foram as vilas do Mato Grosso que criaram as nossas estradas e sim as estradas nascidas antes, é que foram as formadoras dos pequenos lugarejos. No começo do nosso desbravamento estadual, as estradas esburacadas e de terra batida, ainda sem tabernas, tinham lugares obrigatórios como ponto de parada para os viajantes almoçarem, jantarem e repousarem durante a noite a beira das fogueiras no relento. Depois, apareceram as primeiras acolhedoras pousadas, com cavalariças, regos d’ água e cisternas. E em torno delas, surgiriam os primeiros ranchinhos caboclos e as pequenas roças destes. Paraguaios, brasileiros e índios, iniciaram os chamados patrimonios, criando ali as suas famílias. Os paraguaios, de acordo com as suas conveniências, ora eram brasileiros de nascimento, ora era paraguaios assumidos. Porém, havia uma coisa que eles não conseguiam disfarçar: o sotaque. Hoje, vendo tantas estradas asfaltadas e estradas de ferro, muitos recém chegados nem imaginam, o valor que a implantação das estradas antigas tiveram para o nascimento de Mato Grosso do Sul...
*advogado criminalista, jornalista. e-mail: isane_isane@hotmail.com

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