quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Que nem Praga de Madrinha

Braz Melo (*)
Conversando com o Sidlei Alves, o menino da Vila Vargas, que conheço desde que ele usava calça curta em 1982 (Não sou eu que estou velho, ele é que é muito novo), o agora presidente da Câmara Municipal de Dourados me disse da necessidade de mudar a cara daquela casa. E senti nos vereadores, que esse desejo era unânime. Já tive diversos amigos presidentes, mas nenhum me externou tão fortemente este desejo.
E eles têm razão em se preocupar com isso, pois a renovação na ultima eleição foi um aviso para o que pode ser a próxima.
Procurei entender o porquê muitos eleitores, ao serem pesquisados após poucos meses da eleição, dizerem não saber em quem votaram para vereador. Até há pouco tempo eu imaginava que era por esquecimento mesmo. Hoje tenho certeza, que é por vergonha. Vergonha, pois acreditam que eles não fazem nada. Não tem idéia do que eles fazem.
E o que o vereador faz numa cidade? Ele é que faz as leis e fiscaliza o executivo. E as leis no Brasil são modificadas constantemente, diferentes de outros países mais estruturados politicamente.
E o vereador por ser o mais próximo da população, é o que primeiro sofre desse descrédito. É o pára-choque da política.
Analisando historicamente a Câmara de Dourados, lembrei dos presidentes desde quando aqui cheguei. Em 1973 era o Dr. Américo Monteiro Salgado. Cirurgião Dentista que prestava serviço para a prefeitura em um trailer por toda a zona rural. Não conseguiu se reeleger. Depois veio o Moacir Barreto de Souza, o Lamparina. Empresário, sócio da Chevrolet. Aí foi a vez do Pedro Domingos Pereira, o Pedrinho da Vila Vargas. Cartorário e prestador de serviço ao povo de todo a zona rural. Não conseguiram se reeleger.
Veio o Sultan Raslan que no meio do mandato se elegeu Deputado Estadual.
Depois veio Juarez Fiel Alves, Ramão Moacir da Fonseca, Mariano Candido de Arruda, Arquimedes Lemes Soares, Antonio Noreci da Silva e Carlos Roberto Cristino de Oliveira, o Carlão. Já em 1989 foi presidente o Albino Mendes. O Mauro Cruz foi interino e não se candidatou a reeleição. Voltou o Arquimedes, depois o Dorgival Ferreira da Silva, a Bela Barros e o José Carlos Cimatti. Elegeram-se depois presidentes o Raufi Marques, o Joaquim Soares, o Junior Humberto, voltou o Cimatti, a Margarida Gaigher e por fim o Carlinhos Cantor, que foi eleito vice prefeito. Foram 22 presidentes da Câmara e 20 não se reelegeram. Os meus amigos Carlão e Cimatti foram os únicos que fugiram a regra. Por que isso? Talvez por chegarem ao cargo e tentarem resolver os problemas dos outros vereadores e esquecer-se do seu, que é continuar atendendo seus eleitores e munícipes. Ou sendo presidente, este fica com a maior parte da culpa pelo contexto de não ter atendido a maioria da população.
Quando garoto, ouvia dizer que a pior coisa de um cristão é receber praga de madrinha. Acredito que a presidência da Câmara de nossa cidade deve ter recebido esta maldição. Torço para que o menino de Vila Vargas quebre este tabu.
E historicamente aqui em nossa cidade para ser aplaudido pela população (Aplauso em política é voto) o vereador que cresceu politicamente teve de ser oposição ao prefeito. Isso desde o Sultan Rasslan em 1978, o Roberto Djalma, Aniz Faker e Ivo Cersóssimo em 1982 até os PTs e Cia. O nosso atual prefeito é um exemplo vivo e recente desta história. Acabaram deputados. Poucos foram os deputados eleitos pela situação. E os que foram eleitos, ou foi com votos de fora ou com um investimento pessoal do prefeito da época.
O prefeito Tetila, que ficou oito anos na prefeitura e acaba de sair, não conseguiu eleger um deputado ou vereador.
Deus deu o livre arbítrio para nosso cotidiano. E os vereadores é que devem decidir o que acham melhor para eles e para Dourados, mas espero como a grande parcela da população, com cara nova.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

HOTEL DOS CAÇADORES...

Isaac Duarte de Barros Junior *
Eu me considero um homem bastante identificado com as pessoas e os costumes do século vinte. Sou daquele tempo, que uma das distrações pitorescas nesta cidade, era se apetrechar nos finais de semana para caçar. Lembro que as nossas armas eram municiadas com cartuchos da marca cbc, colocados em volta da cintura e então seguíamos na direção dos banhados, iniciando o conhecido ritual de antigas caçadas. No inicio, penetrávamos nos lugares ermos buscando animais ou aves comestíveis da fauna e ao localizarmos a caça era o momento do abate. Caçadores de aves gostavam de perdizes, caçando-as nos campos auxiliados por cães perdigueiros. Enquanto que os adeptos da caça maior, portavam armas de calibre pesado, tentando localizar preferencialmente antas, capivaras e queixadas. Depois desses animais abatidos, eles representavam uma espécie de troféu com quatro patas nas caçadas. O triunfo acontecia, assim que conseguíamos abater algumas dessas carnudas e retornar sorridentes ao ponto da partida.
Dentre os nossos primeiros caçadores de aves selvagens, estava um comerciante do ramo hoteleiro douradense. Era um gentil português, proprietário do hotel Coimbra (atual Bahamas), prédio originariamente edificado numa das esquinas da Rua Minas Gerais (atual Rua João Candido Câmara). O lusitano bonachão chamava-se Jaime Lobo e amava o esporte das caçadas. Nos finais de semana, se preparava colocando um cão perdigueiro farejador na carroceria da camioneta e rumava para os campos onde se dedicava a caçar perdizes. Tinha excelente pontaria e isso o tornou um dos mais destacados abatedores de codornizes, pois usava com precisão armas de cano longo. O portuga empresário, foi um dos nossos cidadãos mais bem quistos, sendo um cavalheiro no trato social com todas as pessoas que com ele conviveram. Bem relacionado entre os muitos empresários paulistas, Jaime Lobo, caçou e incentivou o esporte das caçadas. Esse gosto, o fez amigo do comendador paulista Geremias Lunardelli, considerado o rei do café, a quem hospedou no seu hotel Coimbra. Esse empreendedor famoso veio a Dourados, caçou, gostou e depois mandou a região um jovem advogado, seu funcionário, chamado Antonio Tonnani, para adquirir terras. Ele veio, viu, comprou e por aqui ficou até falecer em idade avançada.
Centenas de turistas, europeus e nacionais, adeptos do esporte das caçadas, se hospedaram nesse hotel reduto do extinto esporte, que era considerado na época o melhor e mais chique da região. Profissionais da caça, tez queimada, rústicos, coadjuvados por seus enormes cães ferozes, ofereciam-se de guias turísticos aos caçadores, na porta do hotel Coimbra, local onde trabalhavam funcionários de plantão com um enorme espanador. Eles eram os encarregados de retirar todo o pó acumulado nas malas e nas roupas dos viajantes recém chegados, que lá desejassem se hospedar. O objetivo seguinte, após dita hospedarem, era fazer uma caçada nas florestas douradenses e graças a esses guias de selva, oferecidos nos tempos passados na portaria do hotel Coimbra, ninguém vindo de fora prejudicou o nosso ecossistema. Afinal, só abatiam um animal para o consumo ou às vezes, quando alguém matava uma onça desgarrada, era atendendo ao pedido de fazendeiros. A caça dos animais dessas carnes saborosas foi feita sem desperdiçar ou depredar os espécimes existentes na natureza generosa. Os caçadores de onças eram havidos como caboclos grosseiros xucros, os quais escolhiam o interior das matas densas para morar em ranchos cobertos de palha de sapé. Atendiam clientes para caçar, só quando chamados no hotel Coimbra e aos apelos dos moradores rurais, quando avisados, aí prestando o serviço de matar animais assoladores.
Fazendeiros abastados criadores de gado solto, que eram vítimas de onças, uma praga felina, aproveitavam os safáris desses turistas nas suas fazendas e contratavam unilateralmente os guias caçadores possuidores de matilhas ferozes, que apesar do aspecto, auxiliavam seus donos nessas empreitadas perigosas. Os guias caçadores, geralmente para comprovar que haviam matado as comedoras de reses, levavam o couro das bichanas e o entregava para os fazendeiros, recebendo o preço tratado. Depois, estes fazendeiros transformavam tal couro em tapetes da sala de estar de suas casas. O eco da cachorrada domesticada, latindo no período noturno, significava que caçadores de tatus-galinha estavam espreitando o animal refugiado num buraco, que depois de morto, era transformado em farofa nos pratos de almoço ou do jantar. Embora não fossem comestíveis, as raposas marrons também eram caçadas por serem consideradas vilãs dos galinheiros, juntamente com os ladinos lobos guarás. A caçada implacável desses animais, quase levou a extinção das espécies. Havia, todavia, grandes dificuldades e obstáculos para uma caçada de antas, a qual os índios guaranis chamavam de tapir. Uma lenda dessa tribo, dizia que um indiozinho com os pés virados para trás de nome curupira, a protegia e causava sérios aborrecimentos para todos os perseguidores do obeso animal dos banhados sul-americanos.
Velhos caçadores, hóspedes do hotel Coimbra daquele tempo, não se misturavam com os pescadores. Alguns deles diziam que não gostavam nem de sentir o cheiro de peixe. Mas tinham indubitavelmente, era receio das águas dos rios caudalosos. Outros caçadores, não gostavam dos jogadores de tarrafas, porque segundo eles, tratava-se de um bando de cachaceiros mentirosos, os quais invariavelmente poluíam com lixo e resíduos imundos, todos os lugares por onde passavam, ou armavam seus acampamentos. Quanto à carne charqueada de veado-catingueiro secada no sol, misturada ao arroz, dava um carreteiro apetitoso, quando servido nos encontros daqueles intrigantes caçadores. E o prato ficava melhor ainda, quando era feito do manteado de uma queixada preparada pelo Jaime Lobo. Hoje, desse hotel que hospedava intrépidos caçadores, somente restaram às lembranças dessas façanhas, pois agora é proibido caçar animais selvagens. Por isso, sugeri ao atual proprietário do hotel Coimbra (Bahamas), Paulo Roberto Teló, que crie em suas dependências uma sala histórica com fotos e registros desses hóspedes formidáveis, para produzir no local, informações históricas douradenses preciosas...

*advogado criminalista, jornalista. e-mail: isane_isane@hotmail.com

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O Prodegran

Braz Melo (*)

Depois da tempestade vem a bonança, diz o dito popular. Depois da geada de julho de 1975, que deixou todos sem saber o que fazer, o governo federal criou em 7 de abril de 1976, o PRODEGRAN- Programa de Desenvolvimento da Grande Dourados. Demorou nove meses para conhecermos este programa que ajudou a desenvolver nossa região.
Na exposição de motivos que criou o programa, visava o aproveitamento da potencialidade agrícola da região sul do estado de Mato Grosso e envolvia naquele ano, 22 municípios, numa área de 84.661 km2 e abrangia cerca de 6 milhões de hectares considerados aptos para as atividades agrícolas e fácil transporte para os mercados do Centro-Sul e exportação. Dessa quantia, apenas 15,3% da área estava ocupada com atividades agrícolas e outros 80 % destinavam-se à pecuária extensiva com baixo nível de utilização de tecnologia.
A SUDECO organizou os subprogramas de armazenamento, energia elétrica (rural), transportes (estradas vicinais), controle de erosão urbana, pesquisas agropecuárias, assistência técnica ao produtor rural, promoção da suinocultura, elaboração de planos urbanos de uso do solo e instalação da Bolsa de Cereais de Dourados.
O governo também investiria em financiamentos subsidiários para plantio e colheitas de grãos, linhas de transmissão e subestações, ampliação da energia elétrica, eletrificação rural, rodovias (No PRODEGRAN se previa a construção de 600 km de estradas troncos até 1979), melhoria do ensino profissional, assim como produção do conhecimento e promoção comercial.
Também foi o início do asfaltamento da rodovia BR-463 (Dourados-Ponta Porã), já que alocou recursos para executar 30 quilômetros nesta rodovia.
O amigo jornalista João Carlos Torraca lembrou-me da festa que foi feita em 9 de abril de 1976, dia que o presidente Geisel veio aqui para fazer o lançamento oficial desse programa. Participaram todos os prefeitos dos 22 municípios, assim como o governador Garcia Neto, senadores Rachid, Canale e Italivio Coelho. A Praça Antonio João estava em obras e o prefeito João Totó da Câmara recepcionou a população com um grande churrasco naquele local. Choveu naquela manhã e era um mar de guarda-chuvas esperando o presidente. Lembro que o “Seu” Joaquim, um dos mais antigos e carismáticos fotógrafos de Dourados, atravessou a segurança do presidente e pulando na frente dele, o mandou parar e pediu para o Geisel sorrir, apontando seu instrumento de trabalho. Foi a maior correria. Quase o prenderam.
Nossa região já estava colhendo perto de 250 mil toneladas de soja graças aos gaúchos, que tinham chegado aqui há menos de uma década e trouxeram as técnicas e ensinaram aos mato-grossenses como e onde plantar este produto. O governo tinha acertado na mosca, pois em menos de 3 anos já estávamos colhendo perto de 800 mil toneladas. A área plantada de soja na região em 1975 era de 14,5% e em 1985 alcançava 62,3%.
Através do PRODEGRAN a região da Grande Dourados passou a ser a 2ª maior produtora de soja e Dourados foi o maior produtor de trigo do Brasil no fim da década de 70.
Durante o PRODEGRAN a região cresceu sua população em uma média de dois dígitos por ano. Pelo movimento causado vieram imigrantes e atraiu os capitais comercial, agropecuário e financeiro, o que acabou ampliando as agências bancárias. Na década de 80 chegamos a ter mais de 20.
Conseguimos a Faculdade de Agronomia, que funcionou na UEMS e Campo Grande apesar de não pertencer ao programa, ganhou a Faculdade de Veterinária. Até hoje não foi implantada a Bolsa de Cereais, mas Dourados virou a capital da Grande Dourados e passou a ser conhecida como o celeiro do Brasil.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

NEGRA LEONTILHA...

Isaac Duarte de Barros Junior *

Na época quando eram um jericinó fechado alguns locais desta cidade de Dourados. Nas imediações da Faculdade de Agronomia, viveu durante anos, uma senhora alcunhada de negra Leontilha. Diziam os mais antigos moradores, que ela tinha sido escrava nos tempos do cativeiro. Tendo respeito e simpatia genética pela raça, herança adquirida através do meu avô abolicionista Izidro Pedroso, me tornei amigo da velha umbandista. Cheio de curiosidade relativa ao comportamento místico da geba e de como ela fazia as suas garrafadas milagrosas que tinham fama de levantar até defunto, a questionei no meio de um frondoso arvoredo da tapera onde ela morava, o porquê daquele jirau cheio de badulaques nos fundos do seu quintal. A benzedeira mineira soltou um riso muxoxo e não respondeu a minha pergunta curiosa.

No jirau da negra Leontilha um fuzuê de estranhos objetos pendurados, erguidos no fundo de seu quintal sem cercas, por entre a vegetação se avistava de tudo. Nas tramas de arame esticado, enrolados no meio da pauleira de aroeira grossa tinha: cabeça seca de rezes mortas, urinóis velhos furados de alumínio e roupas rasgadas, sabe-se Deus a quem pertenceu. A negra Leontilha gostava de beber pinga da marca tatuzinho na garrafa, enquanto naqueava um fumo de rolo e cuspia longe. Suas pernas e seu corpo tinham picadas de mutucas espalhadas, mas ela jamais perdia a pose.

Debaixo daquele entrevero de penduricalhos, fetiches das suas crendices caboclas, os cortadores de sapé costumavam contar nas prosas de sesteada, causos de fazer os cabelos ficarem em pé. Eles falavam baixo, fazendo sinais da cruz, dizendo que a negra praticava feitiços afros quando os ponteiros do relógio assinalavam meia-noite. A negra Leontilha, é verdade, comia calangos e rabos de lagartos na sopa, jurando que tinha o mesmo sabor de piranha ensopada. No seu rústico fogão de lenha e num forno redondo untado de argila preta do brejo, a crioula fazia galinhadas saborosas e assava pães, que sem dúvida, foram os mais gostosos que comi.

Falava fluentemente em tupi-guarani e um dia quando lhe perguntei de que maneira aprendeu, ela com a sua voz gutural atípica relatou que foi furunfando com a bugrada nas xíxas improvisadas. Seu asseio diário, fosse verão ou estivesse no inverno, se resumia em pegar um sabão de cinza e numa mina de água corrente, transformada em banheiro, valendo-se de canecas de latas banhava-se por meia hora. Contava sempre, que saiu de Minas Gerais bem menina e largou do marido na metade da estrada por pegá-lo em flagrante adultério. Sem rumo, depois da separação, desembocou segundo ela, na estrada da porteira velha, onde morou muito tempo, ao menos era assim que ela costumava relatar.

Certa vez a ouvi contando, que houve um sarau no sítio do Antonio Emílio de Figueiredo próximo ao futuro Distrito da Picadinha. Ali, dois bêbados encrenqueiros e portando grandes afiados punhais se esfaquearam após uma fútil discussão. A negra Leontilha, os socorreu, cuidou dos ferimentos ocasionados em ambos os briguentos, que depois daquela peleja até se tornaram compadres. Envelhecida, sossegada das lambanças da vida, segundo costumava dizer no seu vocabulário caipira, muitas vezes a velha se emburrava com facilidade e por isso conversava pouco com as pessoas que a visitavam. Fiquei sabendo que na juventude, a Leontilha pintava o rosto com rouge e os lábios com um legume que os avermelhava, possivelmente feitos da casca de beterrabas. Mas quando a conheci ela já era velha demais para curtir essas vaidades.

Todavia, eu gostava de dar gostosas risadas olhando o jirau construído pela negra Leontilha. No lugar onde ela ergueu o seu rancho, nem as onças passavam perto, afirmava essa preta velha, com seu sotaque mineiro. Porém, sua voz era cheio da bonita dicção quando bem expressada, soava como se a sua raça negra expelisse perfumes exóticos do fundo da alma pela sua garganta. Uma ocasião, eu estava acompanhado de uma namorada muito mística visitando a minha amiga dona do jirau estranho. Ela esquisitamente, nos recebeu e pressagiou à morte prematura daquela mocinha saudável, isso foi o bastante para eu ter um ataque re risos. No dia em que a moça ainda sendo minha namorada, morreu, lembrei-me da cabalística profecia da negra Leontilha. Pode até ser uma coincidência, mas muito do meu futuro ela andou profetizando olhando nas cinzas colocadas num copo de vidro cheio d’água.

Incognoscíveis, essas minhas recordações, principalmente quando com elas lembro-me das premonições da negra Leontilha, mulher sem nenhuma escolaridade, que se orgulhava de ter um chão batido sem cisco de folhas no quintal do seu casebre de sapé. Era pobre, porém limpinha, como refrão de um dito popular atual. Tinha as suas esquisitices, solidificadas nas estranhas penduricagens do seu jirau. Entretanto, a negra nunca reclamava de nada. Seu passado e a sua família eu jamais descobri onde eles moravam nas Minas Gerais. Apesar do meu cepticismo crônico, fica restando dessas lembranças o verbete místico espanhol que leciona: no creo en brujas, pero que ellas existem, eso és cierto...


* advogado criminalista, jornalista.
e-mail : isane_isane@hotmail.com

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A geada de 1975

Braz Melo
Nunca tinha assistido a um frio igual. Amanheceu o dia 18 de julho de 1975 tudo branco. A temperatura caiu de vez e dizem que chegou a 5 graus negativos. Por aqui fazia frio, mas igual a esse nunca tive noticias.
Os estados de São Paulo, Paraná e sul de Mato Grosso sofreram com essa geada. O Paraná nunca mais foi o mesmo. O fenômeno acabou com as plantações de café e conforme o governador Jaime Cannet disse na época que o estado do Paraná teria um prejuízo imenso e nunca mais seria o mesmo. Realmente no outro ano sua arrecadação caiu quase 20%. Londrina, que era a capital mundial do café, de um dia para outro os agricultores não sabiam o que fazer. Há partir desse desastre, passou-se a plantar mais soja, pois sendo uma cultura de verão, fica isento de geadas, e foram em buscas de outras atividades que fez o estado do Paraná passar por uma transformação imensa e hoje é um dos estados mais desenvolvidos do país.
Voltando à nossa Dourados, quando acordei naquele dia e abri a porta, pensei que estava entrando numa geladeira. O carro estava todo branco e não pegou fácil. Mais tarde quando cheguei ao escritório da SANEMAT, o caminhão e a retro-escavadeira, por serem movidos à diesel, só pegaram depois de esquentarem seus motores com fogueiras. E isso só às 11 horas da manhã. O poço profundo nº1, que ficava ao lado do Fórum, a água congelou e só mais tarde conseguimos funcionar a bomba.
Foi um transtorno total. A agricultura foi a mais afetada. Naquela época tinha cafezais na região e apesar da safra já ter sido colhida, perdeu-se tudo. Contam que o frio penetrou até na raiz dos pés de café. Não tinha como salvar nada. Até o trigo, que é uma cultura do inverno, perdeu 80% de sua safra. Na pecuária a geada tinha queimado o pasto. No pantanal morreu muito gado com o frio nunca visto. Só o Tonanni, na Fazenda Cristal, perdeu 70 mil pés de café. Imagina uma região inteira.
A CEMAT (Empresa de Energia de Mato Grosso) teve 200 trechos de cabo de energia estourados, já que eles eram preparados para no calor dilatarem e com o frio retraíram tanto, que romperam.
O prefeito era João Totó Câmara, que junto com vereadores e o gerente do Banco do Brasil Marcilio Terzelli receberam em nossa cidade o Ministro da Agricultura Alysson Paulinelli, acompanhado do então Senador Rachid Saldanha Derzi, que aqui vieram ver “in loco” o estrago causado pela geada. Acredito ter sido a maior perda imediata que nossa região teve em sua economia.
Minha filha Mirella tinha nascido em junho e Anete não tinha a facilidade que as mães têm hoje com fraldas descartáveis. Eram dezenas de fraldas no varal e com a chuva fria não tinha ninguém que agüentasse. O frio era tanto que tive de comprar e mandar instalar um ar condicionado quente/frio e na noite seguinte dormimos todos no mesmo quarto.
Pelo estrago causado em São Paulo, sul de Mato Grosso e principalmente no Paraná, muitos agricultores deste ultimo estado, venderam suas terras e foram procurar novas terras em Mato Grosso e Rondônia. Alguns ficaram por aqui, e trouxeram novas técnicas e experiências, como os gaúchos tinham feitos no inicio da década. A região se uniu, deixando as paixões bairristas de lado, e torcendo por um todo. Era a Grande Dourados em jogo. Até a classe política teve de se unir.
E como dizem por aí, “só pode melhorar, quando está ruim”, em pouco tempo conseguimos esquecer o trauma e conquistarmos vitórias nunca antes conseguidas.
Deus sabe o que faz. Mas nós temos de ajudá-lo também. Ele já mandou o recado com a crise que vemos todo dia pelos noticiários da TV. Ontem começamos a sentir na carne, pois a Perdigão de Dourados deu férias coletivas aos seus 1600 funcionários. Ou estamos esperando ter uma nova geada?

domingo, 8 de fevereiro de 2009

NOSSA TURMA DE UBERABA...

Isaac Duarte de Barros Junior *
Passando numa dessas manhãs ensolaradas e quentes em frente da residência do meu antigo companheiro de turma na faculdade em Uberaba, José Alberto de Vasconcelos, hoje advogado aposentado, o avistei parado na calçada e decidi me aproximar. Mesmo sendo um homem de cultura invejável, escritor festejado e excelente contador de estórias, Vasconcelos também pode ser considerada pessoa afável nos hábitos. Logo ao me avistar, ele sorrindo como é do seu costume, aproximou-se já contando uma intrigante piada a respeito de paraguaios, em correta língua castelhana. Foi o embaixador Mário Palmério, nosso falecido professor de direito constitucional, quem nos repassou como compositor da guarânia “saudade”, entre outras melodias do gênero, o costume de fazermos chistes entre amigos nesse idioma. Nosso ex-professor notável era um diplomata, escritor que pertenceu a Academia Brasileira de Letras, além de ser pianista com grande maestria. O músico Neneco Norton lhe ensinou a tocar esse instrumento. Esse mestre mineiro, falava corretamente o guarani, inclusive trabalhou em Assunção como nosso representante brasileiro mais destacado.
Relembramos naquele encontro cordial, dos nossos colegas da turma dos bacharéis em direito de 1975, portanto, bem antes da massificação dessa ciência jurídica começar. O Vasconcelos, animado como só ele sabe ser, sugeriu fazermos uma reunião comemorativa com os douradenses formados em Uberaba há trinta e quatro anos. Pensamos juntar nessa festa, as outras turmas que antecederam a nossa. No início da conversa achei a idéia da tal reunião excelente, mas isso só perseverou até o momento em que fizemos uma relação falada, contendo os nomes dos nossos colegas formados em Uberaba. Começamos a lista com o nome do mais ilustre da turma, o desembargador sulmatogrossense Josué de Oliveira. Logo, por força das lembranças fúnebres, nos deparamos com os nomes de colegas já falecidos como o Josone Pedroso de Camargo, Orlando Valência, Teotônio Alves de Almeida, Eulálio Rodrigues, Siloé de Oliveira, José da Câmara, Nalvo Franco e Loide Bonfim de Andrade. Ficamos entristecidos e resolvemos relacionar os colegas de turma ainda vivos, acredito que foi mais para equilibrar a amarga sensação de vazio. Recomeçamos a lista, com o nome de Antonio Franco da Rocha, de uma turma de bacharéis anterior a nossa.
Prosseguimos com os nomes do Heitor Torraca de Almeida, Maria Eustáquia de Rezende (irmã do deputado federal Geraldo), Josavi Granja (ex-vice prefeito de Itaporã), Mauro Alonso Rodrigues (ex-presidente subseccional da OAB) e Oswaldo Cabral. Acabamos concluindo, que a nossa turma, tinha integrantes que partiram para não mais voltar e que ela havia ficado pequena. Resolvemos ser melhor cancelar a nossa pretendida reunião com esses ex-universitários douradenses. Afinal, a maioria dos nossos colegas relembrados naquela listagem de palavras, estava agora advogando nos tribunais da eternidade. Mudamos de assunto e iniciamos alguns comentários sobre os paraguaios ilustres que moram na região. O inicio dessa nossa conversa evoluiu e rolou para esse rumo, bastando nos lembrarmos de algumas passagens pitorescas na vida do ex-embaixador Mário da Assenção Palmério. Falamos do capitão Fulgencio Barros, meu saudoso avo paterno, um gaúcho também falecido, que tinha quase cem anos de idade quando lhe foi apresentado pelo amigo comum Armando Gomes Martins, o “bolão”, um exator estadual douradense metido a pescador. Esse fato aconteceu na cidade sulmatogrossense de Guia Lopes da Laguna, há muitos anos.
José Vasconcelos, assim como o meu velho avo, sempre possuíram posição excessivamente patriótica sobre assuntos envolvendo atos de militares paraguaios, portanto, um posicionamento antagônico do meu. Isso transparecia e continua acontecendo em nossos diálogos, destacadamente quando abordamos assuntos que envolvam comentários a respeito da guerra no Paraguai. Sendo amigo do general Lino Oviedo, desde os tempos em que ele era capitão da cavalaria na capital paraguaia, tenho entendimento diferente sobre esse episódio que ceifou a milhares de vidas. Esse militar facilitou o meu acesso a documentos do exército sobre a contenda. Inclusive, foi pesquisando esses mesmos pergaminhos históricos, mostrando outras facetas daqueles acontecimentos sangrentos, que modifiquei meus conceitos sobre aquelas batalhas comandadas pelo marechal Solano Lopes, nessa luta fratricida.
Como naqueles dias longínquos eram padres jesuítas brasileiros os encarregados da feitura de mapas geográficos militares, que me perdoe esteja no lugar que estiver o falecido ex-governador Arnaldo Estevão de Figueiredo, por ousar discordar dos seus mapas centenários. Ele, apesar de haver sido um homem culto, foi também um polemico defensor da tese de que nós os brasileiros, concluída a fase da guerra no Paraguai, nunca teríamos nos apropriado das terras pertencentes ao país vizinho. Data vênia, na partilha que fracionou o território paraguaio depois da guerra, seu solo ocupado militarmente pelos aliados, foi anexado simplesmente ao império do Brasil. Nessa faixa territorial, compreende-se uma grande parte atual de Mato Grosso do Sul. Cuja soberania nacional, só nos foi assegurada pós-guerra, graças aos pioneiros gaúchos migrantes e os voluntários da pátria. Leia-se: os negros brasileiros alforriados.
Entretanto, foi na imensa biblioteca escolar de Uberaba, não poucas vezes, que me envolvi em leituras científicas e algumas históricas. O imortal Dr. Mário Palmério, dono da faculdade, proporcionou como professor e diretor, as condições de satisfazerem minhas buscas pelos reais acontecimentos, com suas empoeiradas respostas nas prateleiras. Como um ser humano irascível, contestei nessa jornada, todas as teses mirabolantes e inexplicáveis. Acho ser um absurdo, quando isso acontece. Partindo do princípio advocatício criminal petral, que indícios não são provas, eu fiz da comprovação irrefutável, a minha única aceitável verdade. Certamente, evitando fazer o que fez o Dr. Mário Palmério, eu não quero e nem vou criar expedições para achar à lendária cidade de chan-gri-lá. Mas confesso que o inevitável destino de envelhecer e morrer, o são no meu entender, uma anedota do criador com a espécie humana. Ainda mais quando ele nos obriga a aprender tanto e depois nos joga em valas comuns, para em seguida nos transformarmos num monte de cinzas...

*advogado criminalista, jornalista. e-mail: isane_isane@hotmail.com

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O Esgoto Sanitário de Dourados (Segunda Parte)

Braz Melo (*)

Quando cheguei aqui em outubro de 1973 o presidente da SANEMAT (Empresa de Saneamento de Mato Grosso) era Dr. Claudio Fragelli, médico e irmão do governador do Estado José Fragelli. No inicio de sua administração tinha encampado o sistema de água e esgoto sanitário de Dourados, na gestão do Prefeito Jorge Antonio Salomão, com o compromisso de além de amenizar a falta d’água, fazer a obra de esgoto sanitário em nossa cidade.
A falta d’água era muito grande, e merece artigos específicos sobre este assunto.
Como falei no artigo anterior, já estava a minha espera o engenheiro agrimensor Teruo Itokaji. Com ele checamos todos os estudos preliminares que a obra merecia. Para auxiliá-lo nas medições contratamos o Eduardo Tiosso Junior, que aprendeu a fazer nivelamentos topográficos.
A primeira etapa era a execução dos serviços na bacia compreendida entre o quadrilátero das ruas Cuiabá, Monte Alegre, General Ozório e Toshinobu Katayama.
A diretoria da SANEMAT dava liberdade para o chefe contratar quem achasse conveniente. E mandaram que eu abrisse uma conta no BEMAT (Banco do Estado de Mato Grosso) para fazer os pagamentos necessários à obra. Como não conhecia ninguém aqui, pedi que a conta fosse movimentada com outra pessoa da confiança da diretoria e me indicaram o chefe do escritório Dr. Domingos Marcondes Terra, que mais tarde tive a alegria de ser compadre dele, batizando sua filha Maria Vitória.
Compramos um caminhão Chevrolet que traria areia de Nova America para colocar no berço das tubulações, já que eram tubos PVC e o nosso terreno era argiloso e precisava desse material para que não esmagasse o tubo. Fazia duas viagens por dia. O motorista era o Nelson. Seus ajudantes eram o Sr. João Lourenço e o Vandico. Conversando com o meu compadre, José Eduardo, o Surdinho, agora aposentado e que trabalhou nesta época como mecânico da SANEMAT, me lembrou que o Vandico era muito bravo e que só andava armado com um facão.
Foi difícil ensinar os profissionais a fazerem o trabalho da execução de uma obra de esgotos. É um trabalho diferente e que tem seus macetes. E Dourados foi a primeira cidade a ter este beneficio nesta região.
A SANEMAT comprou uma retro escavadeira e fizemos o trabalho por administração direta. Contratamos um operador, que como sempre, é o mais marrento. Achamos o Zé Mineiro, que o agüentamos até terminarmos essa primeira etapa. Depois trabalhou o José Leal e o Mario Lores.
Como todos não conheciam do novo trabalho, contratamos o Nelson Rosa, que pela sua dedicação, acabou sendo o encarregado. Hoje vive em Três Lagoas. Também trabalhou o Domingos, o Sr. Hermínio, o Paschoal, o Chico Anta e outros. O José Lisboa e o Fidêncio Cristaldo aprenderam a fazer o trabalho de pedreiro.
Em virtude da topografia de Dourados, esta primeira etapa foi feita de maneira que a SANEMAT economizou quase sessenta por cento de um projeto de esgoto normal, pois aqui, se faz uma rua e pula outra. E as ligações são todas feitas nas calçadas, evitando fazer as redes no outro sentido e economizando também nas escavações. Diminuímos bastante o corte de asfalto.
A parte mais difícil foi o emissário, que descendo na Rua da Liberdade, acompanha o córrego Rêgo D água por todo o fundo do vale até a Lagoa de Oxidação. Como era uma região de solo muito ruim, tivemos de colocar manilhas de barro com dimensões maiores, pela sua pouca declividade e por receber todas as tubulações. Também aprendemos que em terreno alagadiço, como ali, tem outras técnicas a fazer.
Quando o governador Fragelli aqui esteve, na inauguração de diversas obras feitas por sua administração e também do Hotel Alfonso, feita pela iniciativa privada, tivemos a maior dificuldade em executar o esgoto para aquele prédio, pois é o lugar onde a rede quase aflora, na esquina perto da Banca do Jaime.
A Lagoa de Oxidação foi feita na época do Governo Garcia Neto e está localizado onde hoje é o bairro Cachoeirinha.
Faço questão de citar o nome dos funcionários, pois eles merecem ser lembrados pela garra e esforço no desempenho, que sem eles não teríamos feito nada.
Esta é uma obra, dentre tantas, que me orgulho de ter participado da sua execução.