terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

HOTEL DOS CAÇADORES...

Isaac Duarte de Barros Junior *
Eu me considero um homem bastante identificado com as pessoas e os costumes do século vinte. Sou daquele tempo, que uma das distrações pitorescas nesta cidade, era se apetrechar nos finais de semana para caçar. Lembro que as nossas armas eram municiadas com cartuchos da marca cbc, colocados em volta da cintura e então seguíamos na direção dos banhados, iniciando o conhecido ritual de antigas caçadas. No inicio, penetrávamos nos lugares ermos buscando animais ou aves comestíveis da fauna e ao localizarmos a caça era o momento do abate. Caçadores de aves gostavam de perdizes, caçando-as nos campos auxiliados por cães perdigueiros. Enquanto que os adeptos da caça maior, portavam armas de calibre pesado, tentando localizar preferencialmente antas, capivaras e queixadas. Depois desses animais abatidos, eles representavam uma espécie de troféu com quatro patas nas caçadas. O triunfo acontecia, assim que conseguíamos abater algumas dessas carnudas e retornar sorridentes ao ponto da partida.
Dentre os nossos primeiros caçadores de aves selvagens, estava um comerciante do ramo hoteleiro douradense. Era um gentil português, proprietário do hotel Coimbra (atual Bahamas), prédio originariamente edificado numa das esquinas da Rua Minas Gerais (atual Rua João Candido Câmara). O lusitano bonachão chamava-se Jaime Lobo e amava o esporte das caçadas. Nos finais de semana, se preparava colocando um cão perdigueiro farejador na carroceria da camioneta e rumava para os campos onde se dedicava a caçar perdizes. Tinha excelente pontaria e isso o tornou um dos mais destacados abatedores de codornizes, pois usava com precisão armas de cano longo. O portuga empresário, foi um dos nossos cidadãos mais bem quistos, sendo um cavalheiro no trato social com todas as pessoas que com ele conviveram. Bem relacionado entre os muitos empresários paulistas, Jaime Lobo, caçou e incentivou o esporte das caçadas. Esse gosto, o fez amigo do comendador paulista Geremias Lunardelli, considerado o rei do café, a quem hospedou no seu hotel Coimbra. Esse empreendedor famoso veio a Dourados, caçou, gostou e depois mandou a região um jovem advogado, seu funcionário, chamado Antonio Tonnani, para adquirir terras. Ele veio, viu, comprou e por aqui ficou até falecer em idade avançada.
Centenas de turistas, europeus e nacionais, adeptos do esporte das caçadas, se hospedaram nesse hotel reduto do extinto esporte, que era considerado na época o melhor e mais chique da região. Profissionais da caça, tez queimada, rústicos, coadjuvados por seus enormes cães ferozes, ofereciam-se de guias turísticos aos caçadores, na porta do hotel Coimbra, local onde trabalhavam funcionários de plantão com um enorme espanador. Eles eram os encarregados de retirar todo o pó acumulado nas malas e nas roupas dos viajantes recém chegados, que lá desejassem se hospedar. O objetivo seguinte, após dita hospedarem, era fazer uma caçada nas florestas douradenses e graças a esses guias de selva, oferecidos nos tempos passados na portaria do hotel Coimbra, ninguém vindo de fora prejudicou o nosso ecossistema. Afinal, só abatiam um animal para o consumo ou às vezes, quando alguém matava uma onça desgarrada, era atendendo ao pedido de fazendeiros. A caça dos animais dessas carnes saborosas foi feita sem desperdiçar ou depredar os espécimes existentes na natureza generosa. Os caçadores de onças eram havidos como caboclos grosseiros xucros, os quais escolhiam o interior das matas densas para morar em ranchos cobertos de palha de sapé. Atendiam clientes para caçar, só quando chamados no hotel Coimbra e aos apelos dos moradores rurais, quando avisados, aí prestando o serviço de matar animais assoladores.
Fazendeiros abastados criadores de gado solto, que eram vítimas de onças, uma praga felina, aproveitavam os safáris desses turistas nas suas fazendas e contratavam unilateralmente os guias caçadores possuidores de matilhas ferozes, que apesar do aspecto, auxiliavam seus donos nessas empreitadas perigosas. Os guias caçadores, geralmente para comprovar que haviam matado as comedoras de reses, levavam o couro das bichanas e o entregava para os fazendeiros, recebendo o preço tratado. Depois, estes fazendeiros transformavam tal couro em tapetes da sala de estar de suas casas. O eco da cachorrada domesticada, latindo no período noturno, significava que caçadores de tatus-galinha estavam espreitando o animal refugiado num buraco, que depois de morto, era transformado em farofa nos pratos de almoço ou do jantar. Embora não fossem comestíveis, as raposas marrons também eram caçadas por serem consideradas vilãs dos galinheiros, juntamente com os ladinos lobos guarás. A caçada implacável desses animais, quase levou a extinção das espécies. Havia, todavia, grandes dificuldades e obstáculos para uma caçada de antas, a qual os índios guaranis chamavam de tapir. Uma lenda dessa tribo, dizia que um indiozinho com os pés virados para trás de nome curupira, a protegia e causava sérios aborrecimentos para todos os perseguidores do obeso animal dos banhados sul-americanos.
Velhos caçadores, hóspedes do hotel Coimbra daquele tempo, não se misturavam com os pescadores. Alguns deles diziam que não gostavam nem de sentir o cheiro de peixe. Mas tinham indubitavelmente, era receio das águas dos rios caudalosos. Outros caçadores, não gostavam dos jogadores de tarrafas, porque segundo eles, tratava-se de um bando de cachaceiros mentirosos, os quais invariavelmente poluíam com lixo e resíduos imundos, todos os lugares por onde passavam, ou armavam seus acampamentos. Quanto à carne charqueada de veado-catingueiro secada no sol, misturada ao arroz, dava um carreteiro apetitoso, quando servido nos encontros daqueles intrigantes caçadores. E o prato ficava melhor ainda, quando era feito do manteado de uma queixada preparada pelo Jaime Lobo. Hoje, desse hotel que hospedava intrépidos caçadores, somente restaram às lembranças dessas façanhas, pois agora é proibido caçar animais selvagens. Por isso, sugeri ao atual proprietário do hotel Coimbra (Bahamas), Paulo Roberto Teló, que crie em suas dependências uma sala histórica com fotos e registros desses hóspedes formidáveis, para produzir no local, informações históricas douradenses preciosas...

*advogado criminalista, jornalista. e-mail: isane_isane@hotmail.com

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