domingo, 8 de fevereiro de 2009

NOSSA TURMA DE UBERABA...

Isaac Duarte de Barros Junior *
Passando numa dessas manhãs ensolaradas e quentes em frente da residência do meu antigo companheiro de turma na faculdade em Uberaba, José Alberto de Vasconcelos, hoje advogado aposentado, o avistei parado na calçada e decidi me aproximar. Mesmo sendo um homem de cultura invejável, escritor festejado e excelente contador de estórias, Vasconcelos também pode ser considerada pessoa afável nos hábitos. Logo ao me avistar, ele sorrindo como é do seu costume, aproximou-se já contando uma intrigante piada a respeito de paraguaios, em correta língua castelhana. Foi o embaixador Mário Palmério, nosso falecido professor de direito constitucional, quem nos repassou como compositor da guarânia “saudade”, entre outras melodias do gênero, o costume de fazermos chistes entre amigos nesse idioma. Nosso ex-professor notável era um diplomata, escritor que pertenceu a Academia Brasileira de Letras, além de ser pianista com grande maestria. O músico Neneco Norton lhe ensinou a tocar esse instrumento. Esse mestre mineiro, falava corretamente o guarani, inclusive trabalhou em Assunção como nosso representante brasileiro mais destacado.
Relembramos naquele encontro cordial, dos nossos colegas da turma dos bacharéis em direito de 1975, portanto, bem antes da massificação dessa ciência jurídica começar. O Vasconcelos, animado como só ele sabe ser, sugeriu fazermos uma reunião comemorativa com os douradenses formados em Uberaba há trinta e quatro anos. Pensamos juntar nessa festa, as outras turmas que antecederam a nossa. No início da conversa achei a idéia da tal reunião excelente, mas isso só perseverou até o momento em que fizemos uma relação falada, contendo os nomes dos nossos colegas formados em Uberaba. Começamos a lista com o nome do mais ilustre da turma, o desembargador sulmatogrossense Josué de Oliveira. Logo, por força das lembranças fúnebres, nos deparamos com os nomes de colegas já falecidos como o Josone Pedroso de Camargo, Orlando Valência, Teotônio Alves de Almeida, Eulálio Rodrigues, Siloé de Oliveira, José da Câmara, Nalvo Franco e Loide Bonfim de Andrade. Ficamos entristecidos e resolvemos relacionar os colegas de turma ainda vivos, acredito que foi mais para equilibrar a amarga sensação de vazio. Recomeçamos a lista, com o nome de Antonio Franco da Rocha, de uma turma de bacharéis anterior a nossa.
Prosseguimos com os nomes do Heitor Torraca de Almeida, Maria Eustáquia de Rezende (irmã do deputado federal Geraldo), Josavi Granja (ex-vice prefeito de Itaporã), Mauro Alonso Rodrigues (ex-presidente subseccional da OAB) e Oswaldo Cabral. Acabamos concluindo, que a nossa turma, tinha integrantes que partiram para não mais voltar e que ela havia ficado pequena. Resolvemos ser melhor cancelar a nossa pretendida reunião com esses ex-universitários douradenses. Afinal, a maioria dos nossos colegas relembrados naquela listagem de palavras, estava agora advogando nos tribunais da eternidade. Mudamos de assunto e iniciamos alguns comentários sobre os paraguaios ilustres que moram na região. O inicio dessa nossa conversa evoluiu e rolou para esse rumo, bastando nos lembrarmos de algumas passagens pitorescas na vida do ex-embaixador Mário da Assenção Palmério. Falamos do capitão Fulgencio Barros, meu saudoso avo paterno, um gaúcho também falecido, que tinha quase cem anos de idade quando lhe foi apresentado pelo amigo comum Armando Gomes Martins, o “bolão”, um exator estadual douradense metido a pescador. Esse fato aconteceu na cidade sulmatogrossense de Guia Lopes da Laguna, há muitos anos.
José Vasconcelos, assim como o meu velho avo, sempre possuíram posição excessivamente patriótica sobre assuntos envolvendo atos de militares paraguaios, portanto, um posicionamento antagônico do meu. Isso transparecia e continua acontecendo em nossos diálogos, destacadamente quando abordamos assuntos que envolvam comentários a respeito da guerra no Paraguai. Sendo amigo do general Lino Oviedo, desde os tempos em que ele era capitão da cavalaria na capital paraguaia, tenho entendimento diferente sobre esse episódio que ceifou a milhares de vidas. Esse militar facilitou o meu acesso a documentos do exército sobre a contenda. Inclusive, foi pesquisando esses mesmos pergaminhos históricos, mostrando outras facetas daqueles acontecimentos sangrentos, que modifiquei meus conceitos sobre aquelas batalhas comandadas pelo marechal Solano Lopes, nessa luta fratricida.
Como naqueles dias longínquos eram padres jesuítas brasileiros os encarregados da feitura de mapas geográficos militares, que me perdoe esteja no lugar que estiver o falecido ex-governador Arnaldo Estevão de Figueiredo, por ousar discordar dos seus mapas centenários. Ele, apesar de haver sido um homem culto, foi também um polemico defensor da tese de que nós os brasileiros, concluída a fase da guerra no Paraguai, nunca teríamos nos apropriado das terras pertencentes ao país vizinho. Data vênia, na partilha que fracionou o território paraguaio depois da guerra, seu solo ocupado militarmente pelos aliados, foi anexado simplesmente ao império do Brasil. Nessa faixa territorial, compreende-se uma grande parte atual de Mato Grosso do Sul. Cuja soberania nacional, só nos foi assegurada pós-guerra, graças aos pioneiros gaúchos migrantes e os voluntários da pátria. Leia-se: os negros brasileiros alforriados.
Entretanto, foi na imensa biblioteca escolar de Uberaba, não poucas vezes, que me envolvi em leituras científicas e algumas históricas. O imortal Dr. Mário Palmério, dono da faculdade, proporcionou como professor e diretor, as condições de satisfazerem minhas buscas pelos reais acontecimentos, com suas empoeiradas respostas nas prateleiras. Como um ser humano irascível, contestei nessa jornada, todas as teses mirabolantes e inexplicáveis. Acho ser um absurdo, quando isso acontece. Partindo do princípio advocatício criminal petral, que indícios não são provas, eu fiz da comprovação irrefutável, a minha única aceitável verdade. Certamente, evitando fazer o que fez o Dr. Mário Palmério, eu não quero e nem vou criar expedições para achar à lendária cidade de chan-gri-lá. Mas confesso que o inevitável destino de envelhecer e morrer, o são no meu entender, uma anedota do criador com a espécie humana. Ainda mais quando ele nos obriga a aprender tanto e depois nos joga em valas comuns, para em seguida nos transformarmos num monte de cinzas...

*advogado criminalista, jornalista. e-mail: isane_isane@hotmail.com

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