quarta-feira, 5 de agosto de 2009

ARCHIDUQUE FERNANDES.

Takeshi Matsubara

Conheci o Dr. Archiduque em 1991, na época em que eu era um quase recém chegado a Dourados (3 anos), começando minha carreira de médico e ainda estudante de um curso de homeopatia que eu fazia mensalmente em São Paulo, na Sociedade Brasileira de Homeopatia. Figura ímpar, do tipo “Ame-o ou deixe-o”, cativou-me desde o primeiro instante. Comecei a estagiar com ele, no Posto da Vila Rosa, onde ele atendia seus pacientes todas as tardes, e aprendia aos borbotões, passando-me um monte de macetes, de “pulos do gato” ,que curso nenhum oferecia nem que se pagasse o peso em ouro. Com sua simplicidade, fazia escola, pois depois de mim, vários colegas se seguiram, tendo a oportunidade de estagiar enquanto faziam cursos teóricos de homeopatia em São Paulo ou em Campo Grande.
Em 1992, ele lançou o desafio, de fundarmos um Posto de Saúde especializado no atendimento em homeopatia. Eu e o Dr. Leidniz Guimarães, juntamente com o dr. Ailton Salviano, Nelson Kozoroski, Dra Waldenil Rolim, e claro, Dr. Archiduque, formamos um grupo ao qual se juntou o Dr. Laidenss Guimarães, Dra. Alice Kozoroski e Dra. Eliane Guimarães para fundarmos o primeiro Centro Homeopático de Saúde Pública, cujo nome foi sugerido pela assistente administrativa da Secretaria de Saúde, Sra. Elizete: Dr. Santiago Martinez dos Santos, numa edícula na Rua Antonio Emilio de Figueiredo. O prefeito da época, Braz Melo, amigo particular e conterrâneo do dr. Archiduque, deu todo o apoio político para que esta importante obra da saúde pública fosse criada em nossa cidade. O secretario de saúde da época, Eduardo Marcondes, foi outro entusiasta que possibilitou a criação daquele serviço. As paredes das salas foram pintadas magnificamente pelo artista plástico Marcello e equipado com móveis de junco. Porém, o prédio, alugado, tinha um problema crônico de telhado, pois era só chover que inundava tudo. Por isso, tivemos de mudar para a parte traseira do Posto Tipo A que ele carinhosamente apelidara de a “bunda do tipo A”. Mais tarde, em 31 de Março de 2000, já no segundo mandato do Brás Melo, este possibilitou a construção do tão sonhado Centro Homeopático em prédio próprio, com a arquitetura do prédio toda definida pelo dr. Archiduque, juntamente com a arquiteta responsável pela obra. Foi sem dúvida, a obra com a qual ele mais se identificou e que até os seus últimos dias de encarnado, fez questão de frequentar.
Nos intervalos entre as consultas, ou quando terminávamos o atendimento, nosso horário de bate-papo era sagrado. Grande conhecedor e estudioso da filosofia espírita, ele vivia a dar aulas para mim, de uma profundidade imensa, naquele seu jeito simples, de bom contador de “causos”. Tornava simples e compreensível assuntos áridos, de tal maneira que eu me tornava também um interessado por aqueles assuntos, sem o perceber.
Ele também gostava de contar histórias, principalmente sobre a sua vida. Quando falava de sua infância sofrida, na cidade de Mutum, MG, onde, filho de mãe solteira, foi criado na rua, como verdadeiro moleque de rua, passando por todas as dificuldades desta condição, invariavelmente lágrimas apareciam em seus olhos. Contava que fora adotado por uma família caridosa, que acolhia crianças de rua e necessitados, dando-lhe um teto, comida e roupa. Que menino ainda, foi estudar num colégio interno, onde, em troca de estudos, teto e comida, trabalhava nos mais diferentes serviços, enquanto os outros alunos, filhos de famílias abastadas, tinham todo o conforto. Que ao completar dezoito anos, entrou para o Exército, onde foi sargento por muitos anos. Casou-se com Dona Ila, teve 6 filhos, a primeira das quais morreu, por falta de atendimento médico adequado, e já com uma certa idade, resolveu estudar medicina, pois jurara no leito de morte de sua filha que seu passamento não teria sido em vão, pois o inspirara a seguir a carreira médica para que outros não tivessem que morrer por falta de atendimento médico adequado. Formou-se na Universidade Federal de Santa Maria, RS, com uma família de cinco filhos pequenos para criar e o parco soldo de sargento,conciliando as aulas em período integral, com plantões noturnos e nas mais diversas condições do trabalho no quartel.
Assim que concluiu o curso médico, mudou-se para Dourados, onde foi o primeiro pediatra, numa época em que os médicos eram todos generalistas e faziam de tudo, de partos, cirurgias, anestesias, atendimento domiciliar nas fazendas, etc. Ria a solta, quando contava que andava sempre com um revolver 38 na cintura, que ele se orgulhava de nunca ter usado para atirar em outro ser humano. Mas, para aqueles que não o conheciam na intimidade, era tido como um médico disciplinador, bravo, que dava broncas homéricas nas mães, com aquele seu jeitão de sargentão, bigode e, claro, o trinta e oito na cintura.
Ajudou a fundar a Associação Médica de Dourados, em 1970, numa época que tinham 15 médicos na cidade e região, tendo sido o seu primeiro presidente. Ingressou na Maçonaria, e juntamente com outros seis membros, fundou a Loja Maçônica Justiça Liberdade e Disciplina, ligado à Grande Loja Maçônica de Mato Grosso do Sul.
Fundou também uma academia de judô, em Dourados, pois quando morava em Santa Maria, tivera a oportunidade de aprender a arte e a filosofia deste esporte diretamente, com dois imigrantes japoneses, professores da Kodokan de Tokio, que eram seus vizinhos e se tornaram seus amigos, ensinando-o todos os segredos desta arte maravilhosa.
Enfim, eram muitas as histórias que ele me contava, e eu ficava imaginando, como uma pessoa que nascera com um destino determinado para que tudo desse errado, para se tornar um marginal, um bandido, fora escapando das armadilhas, uma após outra, para se tornar aquele grande homem que eu tivera a oportunidade de poder conhecer, conviver e admirar.
Passado um ano do seu passamento, fica uma saudade imensa, uma falta, um vazio difícil de ser preenchido.
Ele sempre dizia que a vida lhe dera muitos amigos, alguns deles, como eu, acabaram se tornando seus filhos adotivos, tamanho o carinho que nos unia.
Fica registrado portanto, a saudade de filho...

Takeshi Matsubara
médico

P.S.: Numa próxima oportunidade, contaremos outras histórias deste nosso amigo.

3 comentários:

  1. Sou Raquel, a neta mais velha dessa figura maravilhosa que me ensinou muitas coisas enquanto esteve entre nós. Achei linda a homenagem, a riqueza dos detalhes até nas expressões usadas por ele, que se me permitem o neologismo,era de uma "unicalidade" sensacional! Quem o conhecia bem pode ouvi-lo falar enquanto ler essa matéria! Lembrei de muitas histórias que já escutei também, entre gargalhadas e "terêtêtês" relatados por ele, meu avô foi um homem fantástico... um exemplo pra mim.
    Tenho muito orgulho em ser neta de Archiduque Fernandes. Saudades...

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  2. Raquel
    vc deve ser a filha da
    Áurealice, que está morando em Salvador
    Pois é, esses dias, eu estava com uma saudade danada do seu avô, pois quase todos os dias, nós tínhamos a nossa meia hora de prosa e eu tenho sentido muita falta dele e de suas histórias que contava.
    Conforme ele explicava, nós tínhamos laços profundos espirituais, ou, como ele dizia, com certeza, eu fora um dos seus jagunços, um membro de sua "quadrilha" e o amava muito, como um filho ama o pai.
    Perdoe-me se cometi algum erro de data ou dado, mas escrevi com o coração e não com a razão.
    Beijos

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  3. Sou colega de turma do Archiduque, turma de 1969 da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.Fui colega dele também como sargento do exército, no Regimento Mallet, em Santa Maria, RS. Falar no Archiduque é falar numa personalidade ímpar. Estudamos juntos, muitas vezes, em preparaçao para o vestibular de medicina.Ele era meu compadre.Conheci o espiritismo condificado por Alan Cardek, por seu intermédio. Ignorava que ele já está vivendo na outra dimensão da vida.Ele tocava pistão. Um dia me contou que quando sua mãe faleceu, na noite em ela estava sendo velada, ele estava tocando num baile para ganhar o dinheiro para custear as despesas do funeral.Foi uma pessoa temperada pelo sofrimento, como escrevi antes, um ser humano "ímpar". A ele, minha homenagem póstuma. Dionysio Carvalho Netto, médico, Hospital Mu;nicipal de Gaúcha do Norte, MT.

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