sábado, 11 de julho de 2009

POUSOS DE BOIADEIROS...

Isaac Duarte de Barros Junior*

Sem poder contar com qualquer auxilio governamental federal, mesmo porque não havia, os primeiros colonizadores migrantes e emigrantes iniciaram na metade do século dezenove a ocupação total do território brasileiro pelos inóspitos caminhos que conduziriam ao distante centro-oeste. Do interior do triangulo mineiro, região que se desmembrara da província de Goiás, passando pelo território paulista, vindos das charqueadas regionais da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, famílias percorriam em carretas as quase desabitadas províncias de Santa Catarina e a do Paraná. Eram colonos esperançosos por recomeçar as suas vidas, na fértil inexplorada província do Mato Grosso. Aconteceria ainda, no final daquele mesmo século na capital do império, a proclamação da república pelos empolgados ex-alunos do coronel Benjamim Constant, comandados pelo velho marechal Deodoro da Fonseca, herói da guerra do Paraguai. Pelo tratado de Assunção, celebrado em 09 de janeiro de 1872 entre os guerreiros vencedores da sangrenta tríplice aliança, a região sul de Dourados como pagamento pelos prejuízos causados pela guerra do Paraguai, passou a pertencer ao Estado brasileiro.
Os mineiros do triangulo, partiam da Vila de Uberaba no sertão da farinha podre, na maioria eram negros recém libertos, ou negros alforriados depois da guerra genocida. Sendo excelentes criadores de gado vacum, eles viabilizaram a criação das imensas manadas que tomaram conta da paisagem nas terras devolutas dos grandes campos matogrossenses. Um sal nativo descoberto no pantanal, segundo a medicina cabocla dos tropeiros, curava e evitava a febre aftosa. Essa crendice medicinal comum na região corumbaense aumentou o número das cabeças de bois e dos pousos. Com a criação da Empresa Mate Larangeira, pelo aventureiro argentino Thomáz Larangeira, o empreendedor oportunista e ex- comerciante padeiro em Porto Alegre, percebeu que para ter o seu sucesso garantido, era preciso alimentar com boa carne os milhares de trabalhadores paraguaios contratados para trabalharem nos ervais. Esse negociante lendário colaborou e facilitou os deslocamentos pioneiros dos condutores de grandes boiadas até as matas do Vacaria e Dourados. Com essa atitude temerária, Thomáz Larangeira impulsionou o nascer dos muitos pousos de caminheiros que foram surgindo nas curvas das estradas.
Ao incentivar a feitura desses pousos rústicos que iam aumentando aos poucos, apareceram muitos povoados depois transformados em cidades. Inclusive, o nosso arraial douradense, há muito colonizado pelos gaúchos, fugitivos das revoluções sulinas, foi um deles. Aqui, muitos transitavam e se fixavam usando uma passagem que cruzava pela pequena cidade de Bela Vista. O plantel desse gado de corte, transportado com grandes dificuldades pelas estradas de pó, aumentou no transcorrer dos anos e logo o estado de Mato Grosso, desse ciclo boiadeiro, passou a ser conhecido como a terra do gado de qualidade e da erva mate de primeira. Em nossa cidade de Dourados, na rota usada pelos hábeis cavaleiros que ia desde o Porto Cambira até o Porto Primavera, surgiram diversos pousos de boiadas. Galpões enormes foram erguidos à beira dessas estradas pelos fazendeiros e se multiplicaram rapidamente para abrigar os peões no descanso tranqüilo do escurecer bucólico. Essa primeira fonte da nossa economia estadual se resumiu em tropeiros conduzindo boiadas por vários dias. Seguiam os rastos deixados pelos ponteiros responsáveis pelas comitivas, que iam à frente das tropas munidos com um berrante deslocando os bois gordos, diretos para a região da Sorocabana no vizinho estado paulista.
Em 1902, por iniciativa do exército brasileiro, os militares começaram a mapear as nossas fronteiras ambíguas com a colaboração de missionários evangélicos e guias regionais. A mais conhecida de todas essas expedições, na década de vinte, foi à famosa expedição comandada pelo então major Candido Mariano da Silva Rondon, matogrossense nascido em Santo Antônio do Leverger, descendente de índios borôros, terenas e guanás. O futuro marechal escoltou com seus comandados muitos vaqueiros pelos sertões. Seus soldados experientes indicavam os lugares mais apropriados para o pouso da noite, onde eram encontradas as melhores pastagens em campo aberto, paragens instintivamente evitadas pelas onças. Bastando para tanto, que os boiadeiros fizessem uma enorme fogueira no local dos pousos.
Aumentando cada vez mais a população, na década de trinta nosso estado foi conclusivamente reconhecido como o maior exportador e importador de gado vacum. Mas, o Mato Grosso, geograficamente se dividiu em dois, quando foi criado o Mato Grosso do Sul em 11 de outubro de 1977. Essa mudança para aperfeiçoar o desenvolvimento, fez do robusto caminhoneiro, uma espécie de vaqueiro moderno do asfalto, aposentando definitivamente os velhos boiadeiros condutores de grandes manadas de gado. Determinou essa iniciativa, sem querer, para desgosto dos tradicionais boiadeiros, o fechamento das pousadas. Entretanto, foram esses pousos construídos no século passado, alugados para as peonadas repousarem, que auxiliaram bastante nas despesas, muitas famílias moradoras na nossa zona rural...

*advogado criminalista, jornalista.
e mail :isane_isane@hotmail.com

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