domingo, 1 de março de 2009

RAÍZES

Isaac Duarte de Barros Junior *

A maioria das nossas mais desenvolvidas grandes cidades sulmatogrossenses foram centradas, nasceram e cresceram no meio de imensas propriedades rurais dos migrantes pioneiros. Algumas das centenárias metrópoles no sul do estado começaram a desenvolver com a construção de ranchos toscos as centenas, erguidos rusticamente nas barrancas de grandes rios inexplorados ou nas vizinhanças das tabernas propositalmente construídas em curvas empoeiradas, sombreadas com gigantescas frondosas guájuviras nas suas entradas. Todas, sem exceção, foram instaladas nesses locais estrategicamente pelos primeiros comerciantes de secos e molhados, objetivando atender o integral descanso e alimentação dos viajantes, que costumavam dormir em redes armadas sob o teto hospedativo das varandas dessas pousadas. Essa colonização do velho Mato Grosso foi recheada de folclore e esperteza no seu desbravamento, principalmente na época em que vigorava a posse da terra amparada numa tal lei dos espinhos. Esta lei não escrita exigia pelos costumes, um tempo mínimo de efetiva moradia num mesmo lugar, para depois o colono titular-se dono da terra. Significava em síntese, que uma propriedade rural podia ser requerida por qualquer cidadão, fosse brasileiro ou estrangeiro e nem precisava de muitas formalidades.
Bastava nessa época, ter-se uma casa erguida, com um laranjal considerado velho no terreiro. Muitos desses posseiros driblavam a lei dos espinhos, transportando por léguas inóspitas e solitárias, mudas de laranjeiras vintenárias. Geralmente elas eram arrancadas com a raiz em pomares paulistas e depois transportadas por carretas puxadas pelas enormes juntas de bois, sendo replantadas nos quintais das distantes posses. Estas logicamente, quando eram formalmente fiscalizadas pelos fiscais do governo estadual, apresentavam todos os aspectos necessários para se deferir o esperado titulo de aforamento perpétuo.
A aguerrida viúva do barão de Antonina, senhora Maria Amada Azambuja, muito mais colona desbravadora no sangue do que baronesa, pertenceu à nobreza imperial reinante. Herdou com a morte do seu marido, milhares de acres, que geograficamente incluíam toda a serra de Maracajú até as pradarias do Distrito de Itahum. Esse latifúndio foi doado ao barão de Antonina pelo agradecido imperador D. Pedro II, regalando nesse gesto muito próprio daquele monarca, o seu leal vassalo e servidor, pelos serviços prestados na campanha do Paraguai. Ocorreu que a baronesa Maria Amada, tornando-se dona desse feudo, estimulou a ocupação social e o plantio nas suas terras, como madrinha de abolicionistas e de pequenos agricultores, agregando-os. Um dos beneficiados, por essa mulher nobre com gestos grandiosos, foi o meu avô materno. Ele trabalhou dois anos para baronesa e ao sair com destino às maciças matas dos Dourados, recebeu algumas reses e também uma carreta abastecida de mantimentos. O gaúcho Izidro Pedroso, dizia que Maria Amada Azambuja, foi uma mulher nobre de nome e alma.
Confirmando a veracidade dessa saga longínqua, existe ainda um antigo cemitério cercado, com túmulos de mármore, bem próximo do distrito de Itahum, demonstrando comprovadamente as nossas afirmações no concernente ao tratamento igualitário dispensado pela baronesa Maria Amada Azambuja aos seus empregados. Ela nunca diferenciava pessoas por raça, credo ou cor da epiderme, pois todos, negros e brancos misturados nessas serranias, repousam agora nesse campo santo. O advogado Neri Azambuja, é um dos muitos douradenses descendentes dessa ancestral ilustre da tradicional família Azambuja.
Vale recordar que no ano de mil novecentos e trinta e dois, as nossas raízes entraram em fervor regionalista, quando os sulmatogrossenses aliaram-se aos revolucionários paulistas. Provisoriamente, instalou-se na cidade de Campo Grande sob o comando do Dr. Vespasiano Martins, o primeiro Estado de Mato Grosso do Sul. Sufocado o levante paulista e com a rendição incondicional dos vencidos, o sul de Mato Grosso uno amargou o preço dos derrotados. Creio que a capacidade sulmatogrossense de recuperação, aliada a costumes diferenciados dos adotados pelos irmãos cuiabanos, definitivamente cortaram os laços que nos uniam ao norte do estado. Porém, passando o tempo, faltaram lideres comprometidos com as nossas raízes. Cumulado da inexistência salutar do bairrismo representativo, sem dúvida, essa falha política nos enfraqueceu bastante.
Aconteceu também, nas nossas badernadas raízes sulmatogrossenses, uma famosa concessão (autorização) imperial brasileira arrendando a um empreendedor que vivia em Concepción, áreas onde nessa época existiam milhares de ervais nativos no sul de Mato Grosso. O contrato foi celebrado pelas autoridades imperiais daquela época, concedendo privilégios discutíveis ao aventureiro Thomaz Laranjeira, de nacionalidade dúbia. Pois enquanto uns afirmam ter sido ele brasileiro nascido em Santa Catarina, outros, diziam que Thomaz Laranjeira, era argentino de nascimento e apenas havia secretariado os trabalhos da Comissão Mista de Limites, pós-guerra do Paraguai. Provavelmente, tratava-se mesmo de um brasileiro, afinal ninguém entregaria uma parte tão vasta do território nacional recém conquistado, para um estrangeiro explorar. Seja como for, esse arrendamento renovado na república proclamada, se associando ao ministro da fazenda Joaquim Murtinho e familiares, acabou virando um grande problema para o estado de Mato Grosso. Ocorreu que desde o começo do século vinte, até a metade dos anos trinta, a poderosa Companhia Mate-Laranjeira atravancou o progresso no sul do estado matogrossense. Getúlio Vargas, ardiloso como era e querendo acabar com o famigerado contrato, criou temporariamente o Território Federal de Ponta Porã, visando destratar sem desonrar. Assim, assessorado por experientes juristas, o estadista gaúcho colocou um fim na concessão matogrossense celebrada com a ervateira, pois legalmente o Território Federal de Ponta Porã não tinha nenhum negócio com a companhia Mate-Laranjeira. Concluído o ato jurídico, Getúlio Vargas, criou a CAND (Colônia Agrícola Nacional de Dourados) e tempos depois, simplesmente extinguiu o território federal...

* advogado criminalista, jornalista.
e-mail : isane_isane@hotmail.com

Um comentário:

  1. Olá meu nome é Roney Lopes Laranjeira, eu sou bisneto de Thomaz Laranjeira, gostaria de saber se vcs tem livros com foto dele, com a familia etc. Eu nasci em bela vista - MS, sou filho de José Ney Leite Laranjeira, e o meu avô está vivo ainda que é Thomaz Laranjeira, mas infelizmente vaz 18 anos que não vejo ele, e ele nem sabe que eu existo. Mas eu espero a sua resposta. Eu moro atualmente no Rio Grande do Sul. Esse é meu mail; rnyll@hotmail.com
    Obrigado.

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