sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

PEDRAS QUE GEMEM...

Isaac Duarte de Barros Junior *
Os bailes de outrora realizados no demolido clube social de Dourados, na época em que balada era apenas mais um ritmo musical, alguns deles tiveram passagens marcantes e inesquecíveis para muitos jovens. Naquele enorme salão onde se realizaram festas e solenidades, formandos de primeiro e segundo grau usavam-no para comemorar o término engalanado do curso. Artistas de grandes centros lá se apresentaram, inclusive, algumas sessões do Tribunal do Júri realizaram-se nas suas dependências. Para os sócios do clube social, que viveram as alegres emoções de poder adquirir uma pequena mesa junto à pista de danças nos eventos, era o máximo da vaidade exposta. No clube social, nunca houve o barulho atordoante da música eletrônica, quase ensurdecedor agora nos encontros e festas. Pois os decibéis musicais, naquele ambiente, proporcionavam oportunidades aos não bailarinos de poderem conversar afabilidades, iniciando quiçás um namoro. Usualmente, enlevos românticos aconteciam quando os casais dançavam embalados nas melodias orquestradas pelos músicos, o melhor deles foi o Armando e sua banda.
Boa ordem e organização dos bailes, geralmente eram mantidas pelos integrantes da diretoria, pois nesse tempo nem se cogitava a presença de musculosos seguranças nas festas, onde raramente surgiam às desavenças atualmente tão comuns. Quem comparecia em bailes no clube social douradense daqueles dias era para se divertir, namorar, ou entreter-se conversando animadamente com os amigos mais próximos. Os que freqüentaram o social naqueles anos tranqüilos participando dos seus bailes, certamente fizeram parte de um mundo cujo período era mais inocente. Naquele tempo das violeiras serenatas, não havia aparelhos televisores exibindo comentários de violência e as pessoas olhavam para o satélite luminoso da lua, sem cogitar a possibilidade de alcançá-la através de uma nave espacial.
No extinto clube social havia um enorme palco e aos domingos o radialista Sultan Rasslan apresentava pela manhã um animado programa de calouros. Tudo isso era feito bisonhamente no humor, apesar dos irados protestos do frei Teodardo Leitz, um pároco católico que realizava diversas missas no mesmo horário, bem próximas do velho clube social. O Luiz Antonio Bussuan, Roberto Pompeu, Adeal, eu e outros garotos, servíamos de auxiliares (coroinhas) nas liturgias celebradas por aquele que seria um bispo, considerado na cidade como alemão de pavio curto.
No salão de festas do clube social de Dourados, os arruaceiros contumazes eram revistados antes de participarem dos bailes. Se estivessem portando armas na cintura, elas eram imediatamente retiradas e guardadas na portaria, sendo devolvidas ao proprietário na saída. Apesar de todas essas cautelas adotadas, entreveros aconteciam. Numa noite de bailanta, o jogador de futebol Omenélio Bueno acabou ferido gravemente num tiroteio iniciado na frente do clube social, como o resultado de uma acirrada discussão por ele mesmo provocada. Circular armado nos tempos áureos dos bailes nas dependências do clube social, só era permitido ao guarda Dionízio. Tratava-se de um sujeito pacífico, descendente de italianos, que servia de vigia e residia nos fundos do clube com a família.
Sob a presidência do ex-vereador Walter Brandão da Silva, de tradicional família douradense, cuja maioria fundou e ainda reside no distrito do Guassú, é que o clube social de Dourados viveu seu apogeu e a sua decadência, com o nascimento do clube indaiá. A elite local decidiu pela nova opção de lazer. Ausentes os seus antigos freqüentadores, o clube social se endividou. Um dia no século passado, sem nenhuma explicação plausível para os sócios remidos (fundadores do clube), demoliram o enorme casarão de bailes que nos anos cinqüenta o pioneiro Emídio Rosa presidiu a primeira diretoria, secretariado pela ex-vereadora Maria da Glória Muzzi Ferreira, mãe do tabelião Renê Miguel e filha do primeiro prefeito de Dourados, João Vicente Ferreira, primo irmão da minha avó materna.
Às vezes quando fecho os meus olhos, saudosista recordo das pessoas divertidas daquela fase passada. Com elas, me envolvem as lembranças daquele marcante lugar. Recordando, revejo os eventos passados no velho clube social, tão amplo, tão festivo e iluminado. Nesses momentos puramente nostálgicos, parecem ressoar no enorme salão da saudade, as gargalhadas do italiano Vitório Fedrizzi, o marido da dona Ymera, uma agitada promoter ocasional em concurso de misses. Dos bailes de debutantes nas minhas reminiscências, flui o perfil do falecido Dr. Joaquim Lourenço Filho. Ele era um médico local, que elegantemente na companhia de sua bela esposa a carioca dona Odalea, costumava dar boas vindas para as meninas adolescentes trajando vestidos brancos longos, como as novas integrantes da sociedade douradense.
Para mim misticamente falando, naqueles escombros do antigo clube social ainda não resignados com o seu triste destino e despojados das presenças ilustres dos seus falecidos associados, parecem gritar vozes fantasmagóricas vindas do meio dos destroços, revoltadas com o acontecido. E na poeira do tempo, entre as ruínas daquele que já foi um lugar festivo, defuntos associados desse clube exigem contrariados usando a voz gutural do vento: reconstruam o que havia neste lugar! ...
* advogado criminalista, jornalista e-mail: isane_isane@hotmail.com

Um comentário:

  1. Cresci ouvindo as histórias sobre Vitório e Ymera Fedrizzi. É emocionante ler um artigo que por fim comprova todo o esforço imaginário que fiz e ainda faço para perpetuar essas histórias, mas o que me deixa mais feliz é ter hoje certeza que minha imaginação estreitou-se com a realidade.
    Abraços,
    Uma distante sobrinha neta de Luiz Senatore

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