quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

RIOS, CAMPOS E MATAS...

Isaac Duarte de Barros Junior *
No entardecer do século dezenove na província do Mato Grosso, quase não haviam povoados. Pode-se até dizer que aqui no coordenado extremo sul, as cidades dignas de destaque eram apenas as paróquias de Campo Grande, Corumbá, Miranda, Nioáque e Bela Vista. Naqueles tempos remotos, não existiam estradas carroçáveis e a locomoção dos desbravadores aventureiros só se fazia através dos rios em pequenas jangadas. Foi graças a este meio de transporte pioneiro, que algumas comunidades progrediram, se expandindo aceleradamente. Nos grandes campos sul matogrossenses, chegavam tropeiros oriundos do triangulo mineiro, migrantes ancestrais tocando as suas manadas de bois. A frente de uma delas estava o boiadeiro José Antônio Pereira acompanhado de outros nomes históricos, os fundadores da nossa capital que escolheram as margens dos córregos segredo e prosa para acampar.
As demais cidades deste rincão se formaram com a malgamação dos negros alforriados ex-combatentes da guerra do Paraguai, com as índias e as caboclas brancas. Nessa fase, a mais importante cidade dos campos de vacaria, era a paróquia de Entre Rios, futuro município de Rio Brilhante. Depois, aos poucos, foram surgindo no estado colosso, lugares prósperos como Aquidauana e Ponta Porã. A primeira constituição federal republicana brasileira determinava a religião católica como a oficial, daí o fato dos vigários celebrarem atos reconhecidos pela legislação civil brasileira. Porém, o código de l9l6 separou definitivamente os atos celebrados pela igreja, dos atos praticados pelo estado. Do desmembramento municipal de Ponta Porã, acabou nascendo Dourados. O decreto assinado pelo interventor Mário Correa da Costa, criando o novo município, foi publicado em Cuiabá no diário oficial do dia 23 de dezembro de l935. Publicação esta, feita com a costumeira ressalva que o ato governamental entrava em vigor na data da sua publicação. Os primeiros migrantes das nossas plagas chegaram à época da velha república, alguns deles eram fugitivos da região missioneira no Rio Grande do Sul. Resultava haver muitos desses desbravadores, terem lutado na revolução constitucionalista do caudilho Gumercindo Saraiva. Perdendo a refrega, esses guerreiros estancieiros das cidades gaúchas de São Borja, São Luís Gonzaga e Bagé, viviam como nômades fugindo temerosos de uma execução por faca, conhecida naquele tempo como a degola.
Naqueles dias épicos, a fuga ou o êxodo dos derrotados, se dava pelo território argentino, seguindo por uma rota que cruzava o vizinho Paraguai, concluindo a etapa na pequena cidade brasileira de Bela Vista, onde descansavam da longa jornada. Ali, os desbravadores refaziam as forças e com as carretas novamente abastecidas, entravam pelos sertões com as suas famílias, em picadas anteriormente feitas nas grandes matas. Dourados, esse nome surgiu durante a guerra da Tríplice Aliança, porque o tenente de cavalaria Antonio João Ribeiro, em homenagem ao peixe desse nome considerado como o “rei dos rios”, havia batizado um forte militar estratégico sob o seu comando na cabeceira do rio ápa. Aquele mesmo forte que resistiu ao ultimato do general paraguaio Francisco Isidoro Resquin. A força invasora do ditador guarani Francisco Solano Lopes, era constituída nessa batalha por dois mil e quinhentos homens da arma de cavalaria e foi breve o combate quando todos os militares brasileiros acabaram sendo mortos pelo inimigo superior em armas. Como aqui nas matas dos dourados, não havia índios, essa condição tornou-se um referencial excelente para os primeiros colonizadores dessa rota, grilarem e se apossarem das terras devolutas regionais, após o que formalizavam um requerimento, o qual era deferido sem os cuidados cautelares de mapear a área.
Esse descuido técnico burocrático gerou dezenas de confusões seguidas de morte, que bem poderiam ter sido evitadas nas terras sul matogrossenses. Além disso, havia o inconveniente das grandes distâncias devido o local em que estavam os Tribunais para dirimir dúvidas surgidas entre as partes durante as pendengas. Naquela época, a divisa exata entre as posses requeridas era algo que não existia. Graças a esse tipo de confusão, formou-se um atrito histórico entre os posseiros Marcelino José Pires Martins e Joaquim Teixeira Alves. Tirando proveito da briga entre os dois, Januário Pereira de Araújo e outros migrantes recém chegados, começaram a construir casas na área do conflito. O feito resultou num vilarejo, durante muitos anos sem nome oficial. O “patrimônio” logo tomou aspecto de vila, incorporando-se a ele estabelecimentos comerciais. Finalmente, em l925 os padres franciscanos formalizaram a paróquia de Nossa Senhora da Conceição, inaugurando uma capela onde hoje está localizada a igreja matriz.
A bem da verdade, não existe nenhum documento de “doação”, assinado pelos dois pioneiros, autorizando a erguer uma futura cidade nas terras por eles griladas e por ambos requeridas com as divisas em litígio. O que teria existido, foi à feitura de uma cruz de madeira demarcando e destinando um local para nele se concretizar a futura Vila. Essa cruz teria sido erguida supostamente pelo desbravador paranaense Marcelino José Pires Martins, acontecendo tal efeméride n’algum lugar da sua posse já legalizada, posse para a qual ele deu o nome de fazenda alvorada. Como ambos os desbravadores, morreram no começo do século vinte, não puderam presenciar o nascimento do município que só foi criado vinte anos após as suas respectivas mortes. Concretizou-se assim um movimento cívico local organizado para tanto, iniciado pelos moradores do povoado. Entendo que o melhor e o mais justo a ser feito em memória desses dois homens valorosos, seria creditar para ambos, a criação ainda hoje inexata e histórica do município de Dourados...
*advogado criminalista, jornalista e-mail: isane_isane@hotmail.com

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