segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

ESTRANGEIROS CASTIÇOS...

Isaac Duarte de Barros Junior *

Os brônzeos colonizadores desbravadores, pioneiros de nacionalidade estrangeira, que erguiam seus ranchos cobertos com sapê e taipa, deixaram para a posteridade muitas das suas características pessoais em nossa região inóspita, munidos da foice e do machado afiados. No lombo de cavalos, ou na boléia das carretas, vários desses corajosos estrangeiros arriscavam suas vidas viajando na solidão em velhas estradas ermas, abertas anteriormente pelos guias civis do exército brasileiro durante a campanha do Paraguai. Até concluírem essas longas viagens, essa gente desembarcava nos povoados ainda em fase de formação, onde plantavam roças. Europeus, oriundos de países considerados distantes pelos mapas geográficos conhecidos, eles emigraram as centenas de suas pátrias, no final do século dezenove.
Muitos deles partiam, já pensando na possibilidade de nunca mais retornarem. E nessas extensas desconfortáveis empreitadas, se embrenhavam nos matos feros, buscando a sonhada fortuna. Assim, habitaram nas antigas terras selvagens, cheias de surpresas desagradáveis e possíveis confrontos. Terminavam, se casando com as moças nativas que conheciam nas paragens, tendo com elas muitos filhos. Para sustentarem essas famílias constituídas, acabaram exercendo outras profissões, preferindo o comércio urbano dessas pequenas Vilas. Predominando a mentalidade da valentia, algumas vezes surgiam desavenças entre os fregueses e esses comerciantes estrangeiros, como reação natural a insultos acalorados feitos pelos mais desaforados. Falando a respeito dessas pendengas, disse o historiógrafo Astúrio Monteiro de Lima: “Por todo o tempo que medeia entre 1894 e 1924, ou pouco menos, a mentalidade predominante na fronteira sul, era a da valentia, das gauchadas, das provocações e também das brigas a facão”
Destemidos, esses homens maduros andavam acompanhados por outros de origem estrangeira, muitos deles adolescentes nascidos paraguaios, argentinos, uruguaios e bolivianos, que fizeram parte dos povoadores estrangeiros, fundadores dos primeiros ”patrimonios”. Depois, esses modestos sítios, após transcorrer um longo lapso temporal, transformaram-se nas conhecidas grandes cidades. Essas comunidades, situadas em localidades prósperas, foram sem pressa sendo erguidas por seus ocupantes cheios de esperança. Nomes e sobrenomes, desses castiços moradores estrangeiros, agora estão imortalizados em muitos lugares, pela destacada importância que tiveram no contexto histórico. Escassas, regionalmente, são as cidades que não possuem a influencia dos colonizadores estrangeiros, inclusive as fundadas pelos migrantes nordestinos na região da grande Dourados.
Evocando imagens que só as lembranças fazem andar, nos permite imaginar sentimentos e sensações desses cônscios imigrantes quando deixaram seus países, os entes amados bem como amigos de infância observando suas partidas sorrindo com malícia. Vicissitudes e asperezas foram obstáculos e tropeços contornados, quando muitos se viram sem dinheiro. A primeira etapa do êxodo rio-grandense, rumo ao Mato Grosso, muitas vezes cruzava com dezenas desses estrangeiros pobres na cabeceira do Jovái, em cujas proximidades seria fundado o futuro povoado de Ponta Porã. Nesse lugar, todos na condição viajantes, trocavam importantes informações a respeito de negócios compensadores como a possibilidade do plantio de trigo em larga escala, da existência de charqueadas e qual a qualidade do gado.
Fazer moirões das porteiras, laminar postes de aroeira, marcineirar móveis, construir residências em madeira, era a profissão preferida da maioria dos imigrantes paraguaios. Os argentinos, possuindo conhecimentos sobre remédios, gostavam de trabalhar em farmácias, manipulando. Árabes e bolivianos tinham as suas preferências voltadas para o comércio dos tecidos e armarinhos. Os poucos uruguaios, aqueles que vieram parar em Dourados acompanhando as famílias de migrantes gaúchos, se dedicaram a “capeiriar” gado nos pastos, como costumavam se referir ao serviço de cuidar as reses no campo. Proseando ao pé do fogo, esses guascas castelhanos, contavam estórias misturadas aos chistes, geralmente enquanto consumiam generosos tragos do escaldante chimarrão de chaleira.
Como a soma dos estrangeiros de nacionalidade argentina, era acentuada nos colonos vindos da província de Corrientes e do vizinho Paraguai, a língua guarani se transformou na segunda opção mais utilizada pelos nossos pioneiros para comunicarem melhor. Nesse tempo, quase todo o desbravador era bilíngüe e hoje em Mato Grosso do Sul, notoriamente nas suas regiões de fronteira, essa força cultural aparece revigorada no nome de diversas cidades. Musicalmente pesquisando, se percebe que o chamamé correntino e a polca paraguaia, foram os ritmos preferidos dos nossos sisudos avós, quando ouviram e dançaram alegremente nos casamenteiros salões de bailes, outrora. Teodoro Capilé, Renê Miguel, Leonidas Além, Marcílio Vargas e Frederico Pereira, tinham predileção por esse tipo de ritmo musical. Dessa geração de grandes violeiros, só o violonista Jorge Marra, ainda continua tocando no mesmo formidável velho batidão...

*advogado criminalista, jornalista.
e-mail: isane_isane@hotmail.com

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