terça-feira, 9 de março de 2010

TERRAS DEVOLUTAS

Isaac Duarte de Barros Junior *
As atividades extrativas da erva-mate nas terras devolutas do Mato Grosso, aliadas a frustrada revolução caudilha sob o comando do uruguaio Gumercindo Saraiva no Rio Grande do Sul, foram os motivos para aparecerem as primeiras cidades sul mato-grossenses na década de oitenta do século que passou. Mesmo, já depois de 1912, o estado ainda arrendava 1.400.000 hectares de terras devolutas para a exploração das matas de ervais, com monopólio particular no uso da navegação nas zonas de acesso aos rios. Esse arrendamento custava aproximadamente trezentos e cinqüenta contos de réis, anualmente recolhidos aos cofres do tesouro estadual pela arrendante Empresa Mate Laranjeira. Celebrado na monarquia de Pedro II, esse contrato esdrúxulo faria o governador Pedro Celestino Correa da Costa, rebelar-se contra direitos administrados bandoleiramente ao longo dos nossos rios. Afinal, nessas terras devolutas mato-grossenses estava o grosso dos ervais, tornando dispensável a sua compra. Bastava, no período, um contrato de arrendamento para explorá-la, com pagamento parcelado. Como opositor do contrato infame, o deputado estadual pontaporanense Adjalmo Saldanha, inutilmente pugnava pela divisão das terras devolutas e pelo uso público dos rios, já que eram poucas as estradas mato-grossenses existentes para transitar.
Muitos revoltosos sulinos, privilegiados por haverem conhecido a região sul de Mato Grosso, na época da guerra tríplice aliança como combatentes, nesse tempo retornariam de carretas, acompanhados dos familiares, escolhendo onde queriam parar. Enquanto outros plantariam roças e ergueriam ranchadas, abrindo estoicamente no machete, novas léguas de caminhos a serem trilhados. Esses lugares foram povoados rusticamente sem qualquer planejamento na paisagem bucólica, levantados no alvorecer do século vinte. Na forma de modestos ranchos, apinhados de mulheres com crianças, eram rusticamente cobertos de capim sapé. Transcorrendo alguns anos, essas ranchadas transformar-se-iam em lares, onde pessoas de nacionalidade estrangeira fixariam as suas moradas.
Sem querer criar polemica, reafirmo com base em pesquisas irrefutáveis, que a nossa cidade de Dourados é um produto dessas circunstancias históricas. Nascida em conseqüência do povoamento nas terras devolutas, muitos são os seus anônimos fundadores. Fazendo justiça a esses audazes pioneiros do passado, é falso tipificar o fazendeiro Marcelino Pires, como o fundador ou doador das terras douradenses. Que, aliás, nunca foram suas. Ao contrário, elas já estavam habitadas e prósperas, antes mesmo da sua chegada, testemunhariam em depoimentos escritos posteriormente, dois dos seus filhos antes de falecerem. E se a essa suposta doação realmente aconteceu, deveria haver provas documentais para serem confrontadas. Portanto, onde estão arquivados os importantes documentos de doação, fazendo de Marcelino Pires, fundador? Respostas simples: não existem.
Também, os estabelecimentos comerciais ervateiros de Alfredo Barbosa, batizado como o “Caarapó”, e o “Lagunita” do Alfredo Antunes Marques, só apareceram muitos anos após a existência do “Novilho” de João Augusto Capilé. Nesse caso, à formação da cidade de Caarapó, antes de se oficializar aquilo que se conta a respeito da sua fundação, a verdadeira história passaria pela lendária Vila de Campanário, cidade planejada nos ervais, e seu primeiro administrador Raul Mendes Gonçalves, o “Raulzito Carapé”. Enquanto o Distrito de Lagunita, se este existe, é graças ao “Ricão Jaguá” do Ismenio Cabrera e o “Jagaretê” do José Bataglin. Até mesmo a cidade de Ponta Porã, que já foi o nome de um território federal brasileiro extinto, nasceu na cabeceira do Bopeí em decorrência dos pousos de tropeiros viajantes. Porém, a sua história oficial, foi encomendada pelo chefe político brasileiro, o coronel Baltazar Saldanha. Em síntese, a “princesa dos ervais”, começou mesmo a aparecer regionalmente, apenas no começo do século vinte, como a maior e mais próspera cidade na fronteira do Brasil com o Paraguai.
Todavia, o lamentável ápice dessa epopéia confusa, deu-se nos milhares de acres das madeiras nobres, que foram queimadas sem necessidade. Na Colônia Nacional Agrícola de Dourados, focos de incêndios aconteceram por falta de organização na entrega dos primeiros assentamentos pelo Ministério da Agricultura, no governo de Getulio Vargas. Migrantes nordestinos cansados de esperar pelo seu sonhado lote, em nome da sobrevivência familiar acabaram se embrenhando nas matas virgens sem ser autorizados, derrubando parte da floresta para fazer o cultivo das lavouras, em seguida ateando fogo. Esses descuidos, praticamente devoraram matas nativas, destruindo a fauna em grande parte do estado. Nessas terras, devolutas, colonos implantaram as cidades mato-grossenses, áreas que eram do domínio estadual, conseqüentemente patrimônio da União. A propriedade particular, só se adquiria por requerimento. Usar outro método, nesse caso, nunca passou de “grilagem”. Melhor mesmo, encerrando estas conclusões, seria pedir para os escritores novatos inconvenientes, o favor de não misturarem estórias com história, principalmente em se tratando das terras devolutas e nomes dos fundadores de cidades...

*advogado criminalista, jornalista.
e-mail: isane_isane@hotmail.com

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