terça-feira, 16 de março de 2010

PACURY

Isaac Duarte de Barros Junior*
Reconstruindo o passado pioneiro regional, escrevendo retentivas históricas que me foram contadas, volto a narrar passagens do interessante século vinte no seu começo, quando cavalgando no lombo de cavalo, um gaúcho por nome Aparício Medeiros de Barros, primo irmão do político Antonio Borges de Medeiros, deixou para traz seu passado e o Rio Grande do Sul. Era o ano de 1921, nessa época esse parente do futuro governador daquele estado, sendo pessoa abrutalhada, criada nos padrões regionais do pampa, nele desempenhava seu trabalho campeiro sem admitir questionamentos. Estabelecendo alucinada maneira de mando nos empregados que o cercavam, e como se não bastasse isso, ainda exigia submissão completa da conformada submissa esposa. Agindo nesse estilo grosseiro, num frio mês de junho daquele ano, colocou numa carreta os seus dois filhos Dinarte e Fulgêncio, juntamente com a mulher. De madrugada, esse aventureiro, tomou um rumo que levaria sua descendência ao distante Mato Grosso. O estado, nessa época, era uma espécie de terra das oportunidades, onde diziam os ousados, que quem trabalhava, enriquecia depressa.
Evitando fazer muitos amigos ou esticar prosa com estranhos nas estradas, expondo as raízes da sua belicosa família, o temperamental “maragato” grilou logo na chegada uma área de terras, dando a elas o nome de Pacury. Sendo essa fazenda, próxima da cidade de Ponta Porã, era uma propriedade modelo bem administrada. Nesse lugar, nasceram seus outros filhos do sexo masculino, cuja educação escolar foi esmerada, para os moldes austeros daqueles tempos. Dinarte, o mais velho, nascido em São Borja, dominado pela figura rompante do pai, se casou com uma moça paraguaia de Pedro Juan Caballero. Levou uma vida discreta labutando e nada fez que merecesse maior destaque, até o dia de morrer. Fulgêncio, também gaúcho, igualzito ao pai, viveu algumas aventuras perigosas no Paraguai, até se casar. Entretanto, Aparício Medeiros de Barros, o primeiro dono da fazenda Pacury, era péssimo para fazer quaisquer negócios, contraindo na fronteira enormes dívidas. Amistosamente, querendo ajudá-lo a sair do aperto, o capitão Heitor Mendes Gonçalves, representando a Cia. mate laranjeira, certa vez o visitou e pediu seu voto, com cabalado apoio junto à peonada, para um candidato a deputado, do interesse da empresa. Pela proposta, caso o fazendeiro aceitasse aderir, disse-lhe o visitante que as suas terras griladas e sem domínio, seriam legalizadas. Quanto às dívidas contraídas, garantiu que todas seriam pagas. Tal proposta feita pelo famoso ex-militar, numa rodada de chimarrão, teve como resposta, uma áspera recusa. O caudilho Aparício, amarrado na palavra empenhada com o candidato oponente, desculpou-se e disse ser impossível atender ao pedido.
Como conseqüência dessa negativa, Aparício Medeiros, perdeu o pleito eleitoral e a sua fazenda modelo foi legalizada em nome da companhia mate laranjeira. O taura, desconsolado, morreu solitário, desolado e na miséria. Posteriormente, sua ex-propriedade virou cenário de importantes acontecimentos históricos na década de quarenta. Lá, o presidente Getulio Vargas, sendo recepcionado com um churrasco, resolveu criar a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND). Vargas, emocionado, ali também reencontrou seus primos da parte materna, os Dorneles. Gaúchos migrantes da cidade de São Borja, lugar para onde o presidente voltaria ao ser deposto do longo governo ditatorial, em 1945.
Nessa fazenda, antiga na região, contam haver acontecido um romance literalmente louco. Fulgencio, moço desempregado, foi contratado para servir de motorista particular do lendário capitão Heitor. Este era grande amigo de um médico estrangeiro, que tinha uma filha com esporádicos problemas mentais. Hospitaleiro, foi formalizado um convite do anfitrião Heitor para o clínico, ocasionando do pai e filha, virem passear uns tempos na acolhedora fazenda Pacury. O médico, bonachão sem maldades, confiou a sua bela filha maluca aos cuidados do atraente Fulgêncio, que propôs fazer longos passeios de carro. Resultado: o rapaz engravidou a moça, cujo bebê nasceu no Rio de Janeiro, recebendo o nome de Sophia. Esta menina crescendo, se casou, tornando a mãe de um ex-deputado estadual mato-grossense, muito conhecido no estado de Mato Grosso do Sul.
E a fazenda Pacury continuou fazendo histórias pitorescas, pois lá trabalhou um médico de nome Camilo Ermelindo da Silva, que se elegeu deputado estadual por Dourados, criando o município de Itaporã. Adjalmo Saldanha foi outro a administrar essa fazenda, este depois se tornou parlamentar e ferrenho opositor da empresa do mate. Fernando Jorge Mendes Gonçalves, filho do capitão Heitor, primeiro deputado federal desta vasta região inexplorada totalmente, gostava de fazer reuniões rurais na fazenda Pacury. Os advogados Aral Moreira e Rangel dos Passos Torres, fizeram parte da folha de pagamento da fazenda Pacury, defendendo seus funcionários nos crimes. Enfim, essa propriedade tradicional, aberta no começo do século vinte pelo gaúcho Aparício Medeiros de Barros, acabou incorporando o seu nome como referencia de localidade e mesmo sem o fulgurante brilho do seu passado, suas animadas festas ainda são lembradas nas nostalgias dos mais antigos...

*advogado criminalista, jornalista.
e-mail: isane_isane@hotmail.com

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