segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A MORTE DO CAPITÃO...

Isaac Duarte de Barros Junior*

O gaúcho Joaquim Teixeira Alves, capitão patenteado na guarda nacional riograndense pelo presidente Campos Sales, casado com Pureza Carneiro Alves, utilizando uma carreta cheia de objetos domésticos e com um único filho chamado João, depois teriam mais três, chegou à região douradense no ano de 1903. Na sua chegada, ficou uns dias descansando na fazenda lageadinho, como hóspede do também gaúcho Izidro Pedroso e de sua esposa, estes dois já estavam assentados anos antes e com duas filhas. Em seguida, na condição de agricultor, tomou posse dos seus direitos em terras, adquiridos de seu conterrâneo Augusto da Silva Machado, área que ele mesmo denominou fazenda cabeceira alta. Nessa época, Joaquim Teixeira Alves tinha aproximadamente uns trinta anos de idade e havia lutado ferozmente em sua terra, na revolução federalista ao lado dos companheiros maragatos, fugindo depois das derrotas para o Mato Grosso, temendo a famigerada operação degola, um sistema de matar os desafetos usado pelos chimangos para não fazer prisioneiros, ou exterminar quando podiam, os seus opositores.
Esse ex-militar do pampa gaúcho, um contumaz leitor dos famosos raros pasquins, conhecidos por revistas almanaques, criava o seu gado trocando-o de pastos de acordo com as fases da lua. O modo era useiro também pelos agricultores, para melhor se orientar no plantio das lavouras, metodologia cabocla muito comum e aplicada na plantação de quaisquer roças de arroz, feijão e milho. Esse homem rude, das mãos calejadas, de enormes bigodes pretos, fugitivo das terríveis guerras interioranas sulinas, incentivava a vinda e permanência de outros posseiros como ele, para residirem nas proximidades destas terras sem dono, já que eram devolutas, portanto consideradas propriedade de quem chegasse primeiro e fincasse os seus marcos. Como foi um desbravador de visão desenvolvimentista, o ex-capitão da guarda nacional articulou fundar uma povoação.
Essa maneira rara e lhana de agir, pensando sempre em dividir as oportunidades de crescimento econômico, incluindo o próximo, fez o idealista Joaquim Teixeira Alves entrar em inevitável confronto judicial, uma vez colidindo as suas idéias e princípios imateriais, com as do fazendeiro Marcelino José Pires Martins, proprietário da fazenda alvorada. Os dois demandaram judicialmente por alguns anos a posse e os direitos que achavam possuir na área onde a cidade de Dourados nasceu. Eram, aos seus modos de ser, litigiantes cordiais, querendo apenas resolver problemas de divisas possessórias.
Falavam as pessoas daqueles tempos de fartura, que pelo menos duas vezes por ano, demorando um mês para chegar ao destino, esse pioneiro chamado Joaquim, se deslocava de carreta para o povoado de Campo Grande, acompanhado de alguns dos seus dois filhos homens, onde comprava diversificados remédios, tecidos para roupas e cama, querosene e sementes. Era em síntese, um homem simples trabalhador, mas foi bastante descuidado quando se tratava de ter as cautelas tão necessárias com os negócios que fazia, pois confiava em demasia na honestidade das pessoas e nos compromissos de palavra empenhada.
Diziam os pioneiros que o conheceram, naquela época embrutecida pelas circunstancias e regada de ódios selvagens, haver o ex-juiz de paz Paulo Hildebrando, outro fazendeiro local, ter sido realmente o causador e mandante da morte prematura de Joaquim Teixeira Alves. Segundo os comentários desses mais antigos douradenses e seus contemporâneos de lutas, alguns eu até conheci, todos eles contavam que Joaquim Teixeira Alves arrendou 400 reses de cria para o juiz de paz Paulo Hildebrando e quando foram acertar esse arrendamento, por falta de documentos escritos e provas testemunhais no contrato, ambos tiveram uma discussão acirrada. Dias depois, Joaquim foi ferido mortalmente numa emboscada noturna, por um atirador solitário. Nesse infeliz momento, estava com seu filho João no colo, que culminou sendo baleado no mesmo tiroteio.
A família deste pioneiro, vindo da região missioneira do Rio Grande do Sul, uma das construtoras desta cidade de tantas atribulações atuais, passou por grandes dificuldades financeiras depois do seu inesperado falecimento, mas os seus ilustres descendentes hoje são nativos vencedores abastados na sociedade local. Entretanto, todos esses acontecimentos fatalisticos, cumulados de pesquisas sérias, incluindo-se as documentais, levam-me a concluir com esse triste desenlace do ex-capitão, que tanto Joaquim Teixeira Alves como Marcelino José Pires Martins, mortos no começo do século vinte, um a bala e o outro de grave enfermidade, ambos, nunca doaram nenhum pedaço de suas vastas propriedades, muito menos para nela erguer-se um futuro povoado. Restando concluir, que a cidade de Dourados nasceu mesmo e se desenvolveu, graças às primeiras cinco casas de madeira construídas pelo carpinteiro Januário Pereira de Araújo, feitas entre as dezenas de ranchos cobertos de sapé, nas terras que os dois fazendeiros evitavam circular e outros pequenos sitiantes foram se apossando aos poucos...

*advogado criminalista, jornalista.
e-mail: isane_isane@hotmail.com

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