terça-feira, 18 de maio de 2010

FUNERAL DE UM FIDALGO

Isaac Duarte de Barros Junior*
O douradense Ramão Pérez, homem circunspecto, partiu no começo desta semana. Passavam poucos minutos da meia noite deste ultimo domingo, quando o descendente de um imigrante da província Pontevedra espanhola, exalou o seu ultimo suspiro, esconso dos olhares curiosos. Atendendo ao chamado de nandejára, ainda atordoado pelos fortes medicamentos, levantou-se do seu leito hospitalar, pegou nas mãos de Cesário Perez, seu pai ibérico, indo ao encontro dos parentes desencarnados. Vendo-o repousar sereno, me recordei no lutuoso ambiente, que antes do maçon “espanhol” adoecer, havíamos conversado muito a respeito da estátua do ervateiro, arrancada pela força ignorante da avenida central.
Ramão Pérez, ex-vereador e advogado mais velho na idade aqui residente, indignado, cava-pitã da vida como diriam os paraguaios, protestava em desfavor municipalidade. Afinal, os inconsiderados mineiros carregadores desses pesados raídos, andavam descalços com os fardos nas costas aproximadamente três mil passos. Suavam muito, contavam, antes de entregá-los nos cargadeiros e voltarem no mesmo dia, fazendo o juruacuá, nome dado ao segundo corte. Contador de profissão e de causos antigos, o “espanhol” comentou que o gesto antipático municipal cometido na retirada da estátua do ervateiro, assemelhava-se com uma bofetada desfechada na face da população e uma agressão gratuita a história regional.
No transcorrer daquele funeral, dia metereologicamente chuvoso, diversas personalidades douradenses foram se despedir do marcante político ambientalista. Nessas exéquias concorridas, seu colega José Marques Luiz, rigoroso como sempre, mostrava-se preocupado com o futuro do nosso ecossistema. Enquanto isso, os ex-prefeitos Bráz Melo e Laerte Tetila, falavam de suas respectivas administrações, tempo em que não havia barnabés loucos na prefeitura e atos costumeiros de loucuras. Mas, falar a respeito da estátua desalojada do peão ervateiro era assunto unanime, no funeral. Entre as opiniões dos presentes, um lembrou-se que os ervateiros abriram milhares de quilômetros de tapês, favorecendo os caminhos daqueles que vieram depois. Entretanto, ninguém sabia dar uma resposta verossímil, do porque a estátua desse guapo transportador da erva mate, foi derrubada do trono das homenagens, de forma tão truculenta. Concluíram então, que o autor do desmando, se fosse um parvo lotado no gabinete municipal, esse funcionário imbecil nada deveria conhecer da história local e do pioneirismo desses ervateiros no Mato Grosso do Sul.

Todavia, o ex-professor técnico contábil no Ginásio Osvaldo Cruz do professor Lins, que havia sido na juventude, gerente de uma loja de tecidos em Catalão, fundador do partido trabalhista em Dourados, estava infelizmente morto. Contrariando ibericamente, meus prognósticos de futuras melhoras, o “espanhol” permanecia frio e pálido no centro da sala, na teimosa rigidez cadavérica. E se espiritualmente ainda ouvia alguma coisa, esse veterano já nada mais falava. O venerável maçon participativo, que ao lado de Harrisson Figueiredo, com outros companheiros históricos, ingressou no brizolismo na primeira hora, dirigiu um PDT sem oportunistas. Entretanto, na madrugada de segunda feira, resolveu mudar-se para a eternidade e viver novamente na companhia dos avós maternos Izidro Pedroso e Benedita, da sua mãe Agina, de seus tios falecidos, incluindo os Mariano desencarnados do Durval. Ramão Pérez, um fidalgo da boa cepa, sequer teve tempo hábil no hospital, de se despedir da esposa Durvalina, a sua “Rosinha”, e das cinco exemplares filhas que se orgulhava.
De recordações extraídas do baú, parentes desse morto ilustre, lembravam que o Ramão foi cabo eleitoral do candidato a vereador Dr. Weimar G. Torres, advogado e jornalista, pontaporanense filho de uma paraguaia da cidade de Pedro Juan, com quem o “espanhol” se identificou castelhanamente. Recordei contando algumas passagens esquecidas, que o Ramão Pérez me apelidou de “paraguaio tacuapi (taquara fina)”, por ser um garoto magro demais. Isto tudo acontecendo, justamente na época em que ele aprendia um pouco do idioma guarani com meu pai. Rebatendo a alcunha como era chamado, o apelidei de “espanhol”. Este, na sua campanha para deputado federal, acabou suplente pela diferença de quinhentos votos. Depois, ambos saímos candidatos pelo PDT a prefeito de Dourados, eleição ganha pelo Luiz Antonio Gonçalves. Tempos idos, nos candidatamos a deputado estadual, num PDT em formação. E quando me afastei da militância político partidária, o Ramão me inteirava do crescimento pedetista na cidade e no estado.
Agora, seu escritório de contabilidade, freqüentado pelas famílias pioneiras, certamente seguirá gerenciado pela sua filha, a advogada Thaís. Quanto às piadas sobre os políticos, causos do século passado contados chistosamente, vou lembrar sempre que recordar desse “espanhol” nascido há setenta e sete anos na Cabeceira Alegre do Getulio Benevides, bem perto de uma ponta da mata verde que a civilização destruiu...

*advogado criminalista, jornalista.
e-mail: isane_isane@hotmail.com

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